Na primeira metade do século XVIII, a riqueza de Portugal era o ouro brasileiro descoberto em Minas Gerais no final do século anterior. Mas parte dessa riqueza era contrabandeada e dividida entre os homens envolvidos nas atividades de extração e transporte do produto.
O desvio acontecia de diversas maneiras, sobretudo durante o transporte, por caminhos precários e não oficiais. O produto deveria seguir pela Estrada Real, cujo trajeto percorria parte das Minas Gerais, atravessava a serra da Mantiqueira, passava por Lorena e Guaratinguetá, subia a serra do Quebra-Cangalha, tomando a direção de Cunha e Paraty, mas muitas das vezes, seguia itinerários alternativos, construídos por iniciativa particular, sem controle e autorização da metrópole portuguesa.
Na região compreendida entre Taubaté e Lorena existiram, com certeza, inúmeros desses caminhos, que acompanhavam as antigas trilhas indígenas e a expansão do comércio voltado para as Minas Gerais. Pouco se sabe a respeito do seu tempo de vida e de sua utilização para o contrabando, porém, tem-se conhecimento de que as autoridades constituídas de algumas vilas denunciavam e pediam expresso fechamento desses caminhos. Caminhos, esses, que não possuíam barreiras de fiscalização, como a exemplo da Estrada Real que possuía duas - a primeira na serra da Mantiqueira (Itajubá) e a outra na freguesia do Facão (barreira do Taboão - vila de Cunha).
O estreito relacionamento dessas autoridades com alguns órgãos da administração portuguesa, principalmente com o Conselho Ultramarino (1), possibilitou, algumas vezes, o sucesso da denúncia.
A coroa, consequentemente, fazia a expedição de bandos e ofícios e contava com redes de poder e solidariedade para a aplicação das determinações, podendo, deste modo, coibir e fechar, com certa eficácia, novas rotas de transporte sem consentimento expresso (2).
E, foi o que aconteceu em Guaratinguetá em 1742, com o caminho aberto, por volta de 1738, por Antônio Gonçalves de Carvalho (3) e outros sócios (não mencionados) “... comtenção de sahirem no destrito do Rio de Janro e Costa do Mar” [Paraty]
Preocupada com a questão, a Câmara Municipal de Guaratinguetá (4) encaminhou uma carta ao Conselho Ultramarino em 31/08/1742, denunciando a ocorrência e solicitando o fechamento ou a proibição do trânsito de mercadorias e pessoas por aquele caminho, argumentando que tal empreendimento poderia acarretar em “alguma invasão de inimigos pelas cidades e Vilas das Marinhas” (5), e prejuízo para a Real Fazenda pelo não pagamento de passagem de pessoas e mercadorias. A denúncia foi assinada pelos vereadores Manoel Gomes Guimarães, Lázaro Fernandes (6), João Francisco (do meio), Domingos Alves Barroso (mais moço), José Ferreira de Sá (escrivão), Antônio Carvalho Marques (Procurador da Câmara) e José Gonçalves da Cruz (o juiz mais velho), chegando em Portugal algum tempo depois.
Ao receber a denúncia, o Conselho Ultramarino apurou os fatos e, em parecer datado de 11/05/1744, ao Rei D. João V, concluiu que o caminho fora autorizado pelo Governador das Minas de Goiás, Dom Luiz Mascarenhas, mas que não passava de um subterfúgio, por onde “ elle [Antônio Gonçalves de Carvalho] desencaminhava o ouro que não pagava quintos a V. Magestade....”, diferentemente daquilo que havia dito o responsável pela abertura do caminho: de “que hião à descubrimentos” e para tal era necessária a abertura de um outro caminho. Os conselheiros Raphael Pires Pardinho e Tomé Joaquim da Costa Corte Real diante do fato asseguraram ser útil a sua interdição, sem a necessidade de fazer transporte pelo mar (7). E daí, não se tem notícia das providências tomadas e por onde especificamente passava o referido caminho.
Joaquim Roberto Fagundes
NOTAS
1- Na coleção editada pelo Arquivo do Estado, intitulada “Documentos Interessantes”, encontramos diversas petições endereçadas por particulares ao Rei de Portugal, solicitando arbitramento ou soluções para fatos ocorridos na Colônia. Apesar da distância, que provocava morosidade, os pedidos eram encaminhados e resolvidos pelos órgãos competentes. Existia, portanto, mútua confiança, torça e oferecimento de favores na estrutura administrativa do Estado Português.
2- A partir da década de 1730, apogeu da produção aurífera, muitos dos caminhos eram autorizados e abertos por iniciativa própria, com finalidades diversas, entre eles o Caminho Novo, aberto por iniciativa de homens como Domingos Antunes Fialho e outros, com o intuito de expandir a fronteira agrícola e facilitar a comercialização e o transporte de produtos de abastecimento entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, sem passar por Paraty.
3- Família de origem portuguesa (freguesia de Zezerê), radicada no arraial de Itajubá e que na segunda metade do século XVIII estabeleceu-se em Guaratinguetá, casando-se com famílias guaratinguetaenses.
4- Em boa parte do século XVIII, a jurisdição administrativa de Guaratinguetá abrangia imenso território, que ia desde o sul de Minas até a barra do rio Piraí, no Rio Janeiro e, por isso, a causa em questão ter sido levantada pelas autoridades da referida vila.
5- No caso de inimigos podemos inferir, a título de hipótese ou mera especulação, que o medo das autoridades seria possível devido à proximidade do episódio da Guerra dos Emboabas ou por motivo do aparecimento de aventureiros de outras partes do Brasil, o que provocaria um maior descontrole na região das minas, fato que já ocorria desde a descoberta do ouro.
6- Lázaro Fernandes de Carvalho ou Rodrigues de Carvalho era o vereador mais velho, falecido em Guaratinguetá, em 1757. Foi o responsável pela abertura de um caminho na região entre Lorena e o alto da serra da Mantiqueira, em direção às Minas Gerais. Teve inventário realizado em Guaratinguetá em 1757 (Museu Frei Galvão/Arquivo Memória de Guaratinguetá - 1º Ofício).
7- Na mesma época estava sendo construído o Caminho Novo, por terra, direto para o Rio de Janeiro, passando pelo atual Vale Histórico.
REFERÊNCIAS
- Fontes Primárias
Carta dos Oficiais da Câmara da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá ao Rei, solicitando medidas de segurança pela abertura de um caminho desta para o Rio de Janeiro. Arquivo do Conselheiro Ultramarino – Torre do Tombo – Portugal.
- Bibliografia
REIS, Paulo Pereira dos. O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, 1971.
O desvio acontecia de diversas maneiras, sobretudo durante o transporte, por caminhos precários e não oficiais. O produto deveria seguir pela Estrada Real, cujo trajeto percorria parte das Minas Gerais, atravessava a serra da Mantiqueira, passava por Lorena e Guaratinguetá, subia a serra do Quebra-Cangalha, tomando a direção de Cunha e Paraty, mas muitas das vezes, seguia itinerários alternativos, construídos por iniciativa particular, sem controle e autorização da metrópole portuguesa.
Na região compreendida entre Taubaté e Lorena existiram, com certeza, inúmeros desses caminhos, que acompanhavam as antigas trilhas indígenas e a expansão do comércio voltado para as Minas Gerais. Pouco se sabe a respeito do seu tempo de vida e de sua utilização para o contrabando, porém, tem-se conhecimento de que as autoridades constituídas de algumas vilas denunciavam e pediam expresso fechamento desses caminhos. Caminhos, esses, que não possuíam barreiras de fiscalização, como a exemplo da Estrada Real que possuía duas - a primeira na serra da Mantiqueira (Itajubá) e a outra na freguesia do Facão (barreira do Taboão - vila de Cunha).
O estreito relacionamento dessas autoridades com alguns órgãos da administração portuguesa, principalmente com o Conselho Ultramarino (1), possibilitou, algumas vezes, o sucesso da denúncia.
A coroa, consequentemente, fazia a expedição de bandos e ofícios e contava com redes de poder e solidariedade para a aplicação das determinações, podendo, deste modo, coibir e fechar, com certa eficácia, novas rotas de transporte sem consentimento expresso (2).
E, foi o que aconteceu em Guaratinguetá em 1742, com o caminho aberto, por volta de 1738, por Antônio Gonçalves de Carvalho (3) e outros sócios (não mencionados) “... comtenção de sahirem no destrito do Rio de Janro e Costa do Mar” [Paraty]
Preocupada com a questão, a Câmara Municipal de Guaratinguetá (4) encaminhou uma carta ao Conselho Ultramarino em 31/08/1742, denunciando a ocorrência e solicitando o fechamento ou a proibição do trânsito de mercadorias e pessoas por aquele caminho, argumentando que tal empreendimento poderia acarretar em “alguma invasão de inimigos pelas cidades e Vilas das Marinhas” (5), e prejuízo para a Real Fazenda pelo não pagamento de passagem de pessoas e mercadorias. A denúncia foi assinada pelos vereadores Manoel Gomes Guimarães, Lázaro Fernandes (6), João Francisco (do meio), Domingos Alves Barroso (mais moço), José Ferreira de Sá (escrivão), Antônio Carvalho Marques (Procurador da Câmara) e José Gonçalves da Cruz (o juiz mais velho), chegando em Portugal algum tempo depois.
Ao receber a denúncia, o Conselho Ultramarino apurou os fatos e, em parecer datado de 11/05/1744, ao Rei D. João V, concluiu que o caminho fora autorizado pelo Governador das Minas de Goiás, Dom Luiz Mascarenhas, mas que não passava de um subterfúgio, por onde “ elle [Antônio Gonçalves de Carvalho] desencaminhava o ouro que não pagava quintos a V. Magestade....”, diferentemente daquilo que havia dito o responsável pela abertura do caminho: de “que hião à descubrimentos” e para tal era necessária a abertura de um outro caminho. Os conselheiros Raphael Pires Pardinho e Tomé Joaquim da Costa Corte Real diante do fato asseguraram ser útil a sua interdição, sem a necessidade de fazer transporte pelo mar (7). E daí, não se tem notícia das providências tomadas e por onde especificamente passava o referido caminho.
Joaquim Roberto Fagundes
NOTAS
1- Na coleção editada pelo Arquivo do Estado, intitulada “Documentos Interessantes”, encontramos diversas petições endereçadas por particulares ao Rei de Portugal, solicitando arbitramento ou soluções para fatos ocorridos na Colônia. Apesar da distância, que provocava morosidade, os pedidos eram encaminhados e resolvidos pelos órgãos competentes. Existia, portanto, mútua confiança, torça e oferecimento de favores na estrutura administrativa do Estado Português.
2- A partir da década de 1730, apogeu da produção aurífera, muitos dos caminhos eram autorizados e abertos por iniciativa própria, com finalidades diversas, entre eles o Caminho Novo, aberto por iniciativa de homens como Domingos Antunes Fialho e outros, com o intuito de expandir a fronteira agrícola e facilitar a comercialização e o transporte de produtos de abastecimento entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, sem passar por Paraty.
3- Família de origem portuguesa (freguesia de Zezerê), radicada no arraial de Itajubá e que na segunda metade do século XVIII estabeleceu-se em Guaratinguetá, casando-se com famílias guaratinguetaenses.
4- Em boa parte do século XVIII, a jurisdição administrativa de Guaratinguetá abrangia imenso território, que ia desde o sul de Minas até a barra do rio Piraí, no Rio Janeiro e, por isso, a causa em questão ter sido levantada pelas autoridades da referida vila.
5- No caso de inimigos podemos inferir, a título de hipótese ou mera especulação, que o medo das autoridades seria possível devido à proximidade do episódio da Guerra dos Emboabas ou por motivo do aparecimento de aventureiros de outras partes do Brasil, o que provocaria um maior descontrole na região das minas, fato que já ocorria desde a descoberta do ouro.
6- Lázaro Fernandes de Carvalho ou Rodrigues de Carvalho era o vereador mais velho, falecido em Guaratinguetá, em 1757. Foi o responsável pela abertura de um caminho na região entre Lorena e o alto da serra da Mantiqueira, em direção às Minas Gerais. Teve inventário realizado em Guaratinguetá em 1757 (Museu Frei Galvão/Arquivo Memória de Guaratinguetá - 1º Ofício).
7- Na mesma época estava sendo construído o Caminho Novo, por terra, direto para o Rio de Janeiro, passando pelo atual Vale Histórico.
REFERÊNCIAS
- Fontes Primárias
Carta dos Oficiais da Câmara da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá ao Rei, solicitando medidas de segurança pela abertura de um caminho desta para o Rio de Janeiro. Arquivo do Conselheiro Ultramarino – Torre do Tombo – Portugal.
- Bibliografia
REIS, Paulo Pereira dos. O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo, 1971.
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