sábado, 5 de junho de 2010

Campo Santo – Um Território Democrático


Por Tonho França - Escritor
Observando o Cemitério Senhor dos Passos é possível voltarmos às últimas décadas de 1800, entre sepulcros adornados com rica arte tumular da época a outros mais simples, onde uma única cruz em madeira e o latim “ORAE POR ELLE” bastavam.
Aliás, as lápides merecem um estudo, pois há principalmente, nas mais antigas, uma língua portuguesa que também jaz – “amor dos seus paes"; é um dos exemplos que nos chama a atenção. Vale reconhecer a nossa língua e retomar o contato com o latim.
As lápides ostentam um ar de poesia, talvez pela maneira como as palavras doridas eram incorporadas as pedras, formando um conjunto harmônico disposto a vencer o tempo, eternizando ali o último adeus ou prece.
Há logo na entrada, a esquerda, um túmulo antigo, sem sequer uma identificação, pequeno, sem nenhum adorno, parece, ele, falecido anônimo, o que nos deixa intrigado a saber qual a família lá estaria.

O cemitério é o retrato de uma sociedade local, daí sua riqueza e o título desse artigo; um território democrático. No campo santo convivem o Conselheiro do Império, por duas vezes eleito presidente da República, o Comendador, o Visconde, o literato de extrema grandeza, médicos e advogados. E, também, o imigrante que chegou para fazer a vida, o comerciante, o visionário que construiu seu túmulo anos antes da morte e a doceira. Como conviveriam na vida terrena?
Não há disputa por espaços, nem poderes, convivem numa democracia silenciosa e deixam a nós o dever de catalogar, estudar e preservar muitos dos que estão em abandono e ruína, prestes a ruir.
Pode a muitos não parecer um itinerário comum, mas precisamos olhar o cemitério como um palco de arte e um patrimônio arquitetônico e cultural a ser preservado, pois muitos de nós temos lá seus antepassados, suas raízes. Esquecer disso ou deixar que isso se perca; é algo ofensivo.
Talvez cause estranhamento esse artigo, esse olhar sobre o cemitério, mas é só pensarmos num relógio, quanto mais os ponteiros caminham em um sentido, nós já caminhamos no sentido inverso. “REVERTERE AD LOCVM TVVM”.

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