sexta-feira, 30 de março de 2012

Voltando para a Escrita da História – Parte II

Reconstruir o passado, dando-lhe características de ciência histórica, com base em modelos explicativos, com coerência no desenvolvimento na tessitura social, econômica e política, ou mesmo que com base memorialística e narrativa, é algo específico e gratificante. Trabalha-se com conceitos, categorias e ideias, abstraindo informações acerca do que pouco se conhece. Mas seguir o caminho como agente do seu próprio viver no cotidiano real, é outra realidade, completamente diferente da primeira assertiva, pelo menos em principio.
Tem-se, então, um mundo bipartido, mas relacionado entre eles, com passado e presente interagindo constantemente. No primeiro caso se procura fugir do juízo de valores acerca dos fatos estudados, havendo apenas intervenção da abstração mental. No segundo caso, vive-se a vida envolvendo-se na tessitura social em que se está inserido, onde se julga, manipula-se, usa-se de diplomacia, muda-se ou acomodasse no cenário da sobrevivência. Faz a sua história.
No longo e tenebroso inverno, decorridos a partir de maio de 2011, pelo qual o autor faz um mea-culpa, o segundo caso foi tônica pessoal que mereceu maior atenção do responsável pelos textos aqui apresentados. Nesse ínterim, a maior parte das resoluções foi dedicada a problemas de cunho pessoal, solvente por viagens necessárias e reflexões sobre novos caminhos profissionais a tomar, ficando o mundo da história abstrata em segundo plano. Portanto, uma explicação pela ausência prolongada de novos textos.
Mas a relação desse aparente mundo bipartido esteve presente em todos os aspectos pelo sentido treinado do olhar e da mente, sempre ativa para a história, mesmo que ocupado com generalidades da vida. E se deu como a revelação de que não existe a morte da história, sempre retomada, nesse caso específico, pelas leituras rarefeitas, específicas da área, e na dedicação maior para a leitura ficcional, de produção nacional e estrangeira. A história no sangue, abstrata e real, pelas leituras realizadas como escape da realidade. O sempre retorno e atenção em torno da história pelos livros.
A primeira das obras, remetendo de volta para a história, “Memórias de um Sargento de Milicias”, obrigatória na escola, fez descobrir ser aquele texto fundamental para o Brasil da primeira metade do século XIX, como também importante para perceber o quanto a história e a literatura é próxima, principalmente pela percepção mental na elaboração da mesma, pois o autor estava inserido em sua época e, portanto, influenciado pelo imaginário. Nesse sentido, ainda há muito a ser discutido na relação do ficcional e a história praticada nas academias.
A outra, o clássico “Cândido”, do irreverente Voltaire, que parece ter sido uma necessidade espiritual implícita e sem consciência, fez pensar na atualidade da obra do filósofo, um tanto esquecido na atual conjectura. A inocência de acreditar num ser superior em contraponto com um destino traçado no formato de boas intenções acerca de que tudo se resolverá da melhor maneira é algo presente no cotidiano como necessidade espiritual diante da materialidade sempre reiterada pela história, ao sabor de cada época. Exemplo magnífico disso é a adaptação cinematográfica da obra pelo gênio Mazzaropi. O homem rural, com sua herança típica das raízes coloniais e com uma maneira própria de viver nos trópicos, refletida consistentemente na realidade brasileira em plena década de 1950, sendo a vida e o imaginário baseado em muito dos valores presentes na obra.
A “Volta em Mundo em 80 Dias”, do sempre Júlio Verne, foi outro momento para observar o quanto a leitura de sua obra é leve e divertida, dando a conhecer de forma prazerosa os costumes e a história do povo britânico, situada no período do progresso científico do final do século XIX e começo do seguinte. Novamente, pela história, deu-se a necessária atenção para a discussão atual sobre as mudanças na linguagem escrita da história, adaptando-a para maior público, principalmente no que diz respeito às novas produções historiográficas, a exemplo do que tem feito alguns jornalistas, muito embora, quanto a estes, se tenha ressalvas quanto ao modo e as informações contidas em suas obras. Quem escreve precisa socializar o conhecimento da história.
E outras obras, como a releitura das “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, do inconfundível estilo de Lima Barreto, que dá a certeza de que a história dos que passaram incógnitos pela vida é significativa, retratando a inserção daqueles em determinado contexto de época. É fundamental a releitura histórica sem dar única exclusividade para os grandes modelos explicativos com bases marxistas e estruturalistas, mas dialogar com macro e micro, pautado principalmente na multidisciplinaridade, a exemplo da antropologia e da sociologia, entre outras.
Por último, no presente momento, a coragem e aventura de ler “Crime e Castigo”, do russo Fiódor Dostoévski, motivada pelas afirmações do historiador italiano Carlo Ginzburg, como forma de tomar a literatura, por suas personagens complexas, como referencial para procurar entender as imbricações de cada acontecimento entre eles e a ordem geral estabelecida, ou na essência, analisar determinados aspectos, compará-los e relacioná-los com modelos explicativos gerais, como faz a micro história.
Assim, o mundo bipartido qualificado no inicio é uma essência única, da qual não há dissociação e com isso o retorno para a escrita da história ser inevitável, para incentivar, demonstrar e levantar questões. As leituras, juntamente com o trabalho para resolver assuntos pessoais, deram a noção exata de que é sempre preciso voltar para a história e compartilhar o que aprendemos pela escrita. A necessidade de esquecer, por vezes, os problemas, indicou o caminho da leitura e desta para continuar dizer algo para os amigos. Continuará.