segunda-feira, 16 de maio de 2011

Legislação Portuguesa Online

O ambiente virtual para as fontes documentais está cada vez melhor. E Portugal, em termos relacionais com o Brasil, está disponibilizando para pesquisadores e historiadores repertórios da legislação portuguesa a partir do século XVI de interesse geral e para o Brasil
É uma importante contribuição para que estuda com profundidade a História do Brasil, principalmente do período colonial.
O site disponibiliza sistema de buscas simples e avançadas, por entidade, data e palavra chave. Entre os documentos, também disponibilizados em PDF, encontra-se o Alvará de Maria I proibindo as fábricas e manufaturas no Brasil, em 1785.
Acesse o endereço e confira.

http://legislacaoregia.parlamento.pt/Pesquisa/Default.aspx?ts=1

terça-feira, 3 de maio de 2011

Nova NBR sobre elaboração de Trabalhos Acadêmicos

Instrumento essencial para alunos dos cursos universitários, as Normas da ABNT para trabalhos acadêmicos são continuamente atualizadas e, portanto, é sempre necessário acompanhar suas mudanças ao longo do tempo. Não esquecendo que é necessário ter as mais antigas, publicadas em anos anteriores, onde constam itens que não foram modificados.

Sendo, assim comunicamos que entrou em vigor a partir de 17.04.2011 a terceira edição da NBR14724 que disciplina a elaboração de Trabalhos Acadêmicos. Publicada pela ABNT em 17.03.2011, esta norma foi elaborada pelo Comitê Brasileiro de Documentação e Informação e pela Comissão de Estudos deDocumentação. O projeto foi submetido à Consulta Pública Nacional noperíodo de 08.10.010 a 06.12.2010.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Livros na Biblioteca do Padre

A leitura era atividade inacessível nos tempos do Brasil Colônia, principalmente pelo escasso acesso para a maior parte da população e da ausência de tipografias e autores. No período, o estudo estava estritamente vinculado ao campo da religião, àqueles que ingressavam nos seminário. A maioria aprendia o essencial, as chamadas primeiras letras; o suficiente para assinar o nome.
Nesse quadro, a exceção eram os sacerdotes, seculares ou não, formados em alguns poucos seminários existentes no Brasil.
As famílias com cabedais suficientes mandavam o filho para a formação religiosa, sinônimo de prestígio social e econômico.
No seminário, o candidato a sacerdote estudava as matérias clássicas do período, de caráter humanista, como a teologia, a filosofia, o latim, etc, tomando contato com obras essencialmente portuguesas e autores franceses.
Após a formação e aprovação de “sangue puro”, o sacerdote vinha geralmente para a paróquia de nascimento, exercendo funções pastorais e ensino de primeiras letras e catequese, pelas quais acabava por formar pequenas bibliotecas pessoais, cujos títulos estavam, na maioria, ligados à catequização e à orientação espiritual. Portanto, instrumentos necessários para o bom desempenho de suas funções perante a uma população iletrada, em consonância com as regras impostas pelo Concílio Tridentino e pelo pensamento de época.
Em Guaratinguetá, entre o final do século XVIII e a primeira metade do século seguinte, encontravam-se diversos clérigos estabelecidos na paróquia, exercendo atividades na matriz e na igreja de Nossa Senhora Aparecida, no bairro da Capela (atual município de Aparecida). Alguns, além do estrito serviço pastoral exerciam o ensino de meninos, dando-lhes alfabetização e, sobretudo, uma iniciação religiosa através do catecismo.
Entre eles, o Padre Manuel Gonçalves da Silva Franco, natural de Guaratinguetá, filho do Licenciado Manuel Gonçalves Franco, nascido em Guaratinguetá por volta de 1742, e de Ana Rosa da Silva Ramos, da família Correia Leite (1); falecido em 1827, deixando bens a inventariar; entre eles, uma pequena biblioteca com 74 títulos, dos quais aparecem:

Nomenclatura Portuguesa e Latina das Coisas Mais Comuns e Visíveis
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1762, em Lisboa, nas Oficinas de Miguel Rodrigues. O autor nasceu na Alemanha em 1704 e foi presbítero secular e Capelão da Capela de São Bartolomeu, na Paróquia de São Julião, na cidade de Lisboa. Publicou mais duas obras sobre gramática latina e holandesa.

Breviários
Livro que reúne os ofícios que os sacerdotes católicos rezam diariamente.

Compendio da Teologia Moral Evangélica, para formar dignos ministros do sacramento da penitência e espirituais diretores.
Publicado em Lisboa, pela Regia Oficina Tipográfica. Datada entre 1797-1802.

Confissões de Santo Agostinho
O mais conhecido entre os livros religiosos, fundamental no período.

Responso da Semana Santa
Conjunto de palavras pronunciadas ou cantadas nos ofícios da Igreja católica, alternadamente por uma ou mais vozes, de uma parte, e pelo coro, como representante da assistência, de outra parte; oração que se dirige a santo Antônio, para recuperar objetos desaparecidos.

Nomenclatura portuguesa, e latina das coisas mais comuns, e visíveis: com hum pequeno vocabulário de verbos portugueses, e latinos e um Tratado das partículas da língua portuguesa com as suas versões latinas
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1793 em Lisboa, nas Oficinas de António Rodrigues Galhardo, Impressor da Sereníssima Casa do Infantado, sob licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros

Recreação filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não freqüentarão as aulas
No inventário vem designado apenas como Recreação Filosófica. Obra de autoria do Padre Theodoro d'Almeida. Apareceu em Quinta Impressão muito mais correta que as precedentes, publicadas em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, entre na década de 1750 e nos anos de 1786-1800. Não sabemos se o Padre teria toda a coleção.
O Padre Teodoro de Almeida foi sócio fundador da Academia Real das Ciências de Lisboa, onde nasceu a 7 de Janeiro de 1722, e morreu a 18 de Abril de 1804. Viveu na França entre os anos de 1767 e 1778

Secretário Português ou método de escrever cartas
Da autoria do Padre Francisco Jozé Freire e publicado em Lisboa em diversas edições, sendo a de 1815 publicado pela Tipografia Rolandiana. Ver p. 404 v. 1.
Oratoriano (n. Lisboa 1719-m. Mafra, 1773), foi um dos principais animadores do movimento estético-literário da Arcádia (onde adotou o nome de Cândido Lusitano) e, como tal, figura proeminente no âmbito das ideias estéticas em Portugal, na sua vertente literária, ligada à poética e à retórica. Com efeito, pode justamente considerar-se a sua Arte Poética como o código estético dos «árcades». Defensor acérrimo da Antiguidade (Aristóteles, Cícero, Horácio e Quintiliano), elaborou uma vasta obra de divulgação do pensamento estético-literário dos clássicos. Aí poderemos encontrar a defesa de uma concepção da poesia como imitação da natureza, na esteira da Poética de Aristóteles, a teorização também aristotélica do verossímil, o problema das relações entre o útil e o deleitável, a arte, a natureza e o exercício e, ainda, sob marcante influência de Muratori e Luzán, a reflexão em torno das relações entre a fantasia e o entendimento, na elaboração da obra poética

Arte de gramática latina, para instrução da mocidade portuguesa
Aparece no inventário como Arte Latina de Antônio Pereira, de autoria de António Pereira Xavier reformada e acrescentada, em edição da Oficina de Simão Thaddeo Ferreira, de 1784, em Lisboa.
O autor era mestre em Artes e Professor de Gramática em Lisboa e segundo o Dicionário Bibliográfico Português, obra que foi esquecida, encontrando-se poucos exemplares em Portugal. Portanto, livro raro na biblioteca do padre.

Explicação da Sintaxe
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.


Figuras de Sintaxe Latinas explicadas e ilustradas segundo os princípios de Linacro, Sanches, Vossio e Perizonio
Nominado como figuras de sintaxe no inventário, sendo de autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo. Acreditamos ser o exemplar constante dos bens do padre a edição de 1813 pela Universidade de Coimbra.

A morte de Abel: poema épico em cinco cantos
Tem como autor Salomon Gessner (1730-1778) e tradução pelo Padre José Amaro da Silva. Uma das edições foi publicada pela oficina Rollandiana, em 1818, na cidade de Lisboa.

Exame de Sintaxe e reflexões sobre suas regras
De autoria do português Manuel Coelho de Sousa, sargento-mor dos Privilegiados da Corte e Cavaleiro da Ordem de Cristo; nascido em 1736. A primeira edição é de 1729, mas não há referência no inventário da data de publicação da obra, dividia em três partes referentes ao estudo do verbo intransitivo e transitivo.

O Santo Exercício da Presença de Deus
No inventário intitulado apenas Exercício Santo por Vauber, podendo ser a edição de 1784, publicado em Lisboa pela Oficina de Simão Thadeu Ferreira, dividido em três partes, do autor francês Vaubert.

Escola de política ou tratado pratico da civilidade portuguesa
Nominado no inventário como Escola Política, de autoria de Dom João de Nossa Senhora da Porta Siqueira (ou Sequeira) publicado em Lisboa pela Tipografia Lacerdina, em 1814. Várias vezes reimpressas, sendo a 4.ª edição em 1803.
Foi Cônego regrante da ordem de Santo Agostinho, falecido em 16 de Janeiro de 1797. Nos seus últimos anos de vida empregou-se no ensino, e em publicar algumas obras, na maior parte traduções. Escreveu: Breve instrução do amor de Deus traduzido do francês, Porto, 1787; Escola dos bons costumes, ou reflexões morais e históricas, etc. por Mr. Blanchard, traduzida em português, Porto, 1789; 4 tomos; Incêndios de amor, ou elevações e transportes da alma, na presença de Jesus Cristo e de suas imagens, etc., Porto, 1791; Voz de Je­sus Cristo pela boca dos párocos e dos pais de família, intimada aos seus fregueses e filhos nos domingos e festas do ano, Porto, 1791; 2 tornos; outra edição em Lisboa, 1815; Voz evangélica de um pároco aos seus fregueses, ou nova coleção de praticas para todos os domingos do ano, 3.ª edição, Lisboa, 1817, 2 tornos.

Tesouro carmelitano manifesto, e oferecido aos Irmãos, e Irmãos da Venerável Ordem Terceira da Rainha dos Anjos, Mãe de Deus, Senhora do Carmo
Designado no documento como Tesouro Carmelitano, que acreditamos de autoria do Frei Jose de Jesus Maria, publicado em Lisboa, pela Oficina de Miguel Manescal da Costa (1660-1727), em 1763.

Viridarium
Em dois volumes: poderia uma obra sobre plantio vegetal ou estudos elementares de Botânica; ou pode ser poesia sacra e profana.

Compêndio das épocas e sucessos mais ilustres da história geral
Designado com Compêndio das Épocas, de autoria de António Pereira de Figueiredo (1725-1797). Publicado em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, em 1782.

Instrução de cerimônias em que se expõe o modo de celebrar o sacrifício da missa
Nominado no inventário como Instrução de Cerimônias. Teve edição publicada em Lisboa, pela Imprensa Régia, em 1826.

Tesouro de meninos: resumo de Historia Natural, para uso da mocidade de ambos os sexos e instrução das pessoas, que desejam ter noções da Historia dos três Reinos da Natureza
Também designado no inventário do Padre como Tesouro de Meninos, de autoria de Blanchard e com tradução de Matheus José da Costa, em seis volumes. Publicado pela Impressão Regia de Lisboa entre 1814-1824.

Sintaxe de Dante
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.

Macarronea
Conhecidos com poemas macarrônicos, livros de poesias produzidos no final da primeira metade do século XVIII em Portugal, de escrita confusa, misturando língua portuguesa, latim e outras línguas. Bem populares entre os universitários de Coimbra desde 1746 por se caracterizar por sátiras sobre a vida universitária.

Coleção de Palavras Familiares, assim como portuguesas ou Latinas, para o uso das escolas da Congregação do Oratório
Obra que aparece designada no inventário na forma reduzida (Coleção de Palavras Similares). De autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo, da Congregação do Oratório, na cidade de Lisboa. Foi considerado um dos maiores latinistas da Europa no seu tempo, tendo exercido cargos políticos em Portugal, onde nasceu em 1725. É possível que a edição constante na biblioteca particular do padre fosse a impressa em 1821 pela Imprensa Regional de Lisboa.

Preceitos de Retórica
Preceitos de retórica tirados de Aristóteles, Cícero e Quintiliano é da autoria de Jean Baptiste Louis Crevier (1693-1765). Existiu uma edição feita em Lisboa pela Oficina Patriarcal, em 1786.

Máximas Espirituais
Considerado um conselheiro fiel com máximas espirituais, talvez seja o exemplar de autoria de Manuel Guilherme, publicado pela Oficina de António Pedroso Gabram, em Lisboa.

Eva, e Ave, ou Maria triunfante, Teatro da erudição, e Filosofia Cristão em que se representam os dois estados do Mundo: caído em Eva, e levantado em Ave.
No documento aparece apenas Eva e Ave. Escrito por Antonio de Sousa de Macedo (1606-1682).

(1)- O avô paterno, Alferes Manuel Álvares Franco foi o fabriqueiro da matriz de Guaratinguetá e o pai um apreciável compositor sacro. E o pai, segundo consta foi professor do Regente Padre Diogo Antônio Feijó, e depois de viúvo, ordenado padre. Foram seus irmãos os padres Inácio Correia Leite e Francisco Xavier Leite, moradores na mesma vila.

Referências

C.J. Miscellanea curioza e proveitoza. Lisboa, Typographia Rollandiana, 1779. (em googlebooks).
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Os Galvão de França no Povoamento de Santo Antônio de Guaratinguetá. São Paulo: Edusp, 1993.
SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez: Estudos de Inocencio Francisco da Silva aplicáveis ao Brasil e Portugal. Lisboa-Portugal: Imprensa Nacional, 1858.
SOUZA, Laura de Melo e. Cláudio Manuel da Costa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

domingo, 10 de abril de 2011

Fontes Primárias e Pesquisa Histórica

O Departamento de História do Centro Universitário Salesiano (Unisal) de Lorena está realizando um estudo dirigido inédito para os alunos do curso de história, sob a denominação “Fontes Primárias e Pesquisa Histórica”, tendo como responsável o pesquisador Joaquim Roberto Fagundes, especializado em documentos do Vale do Paraíba e no uso em pesquisa histórica. E a primeira aula aconteceu na última sexta-feira (dia 8 de abril) e se estenderá até o mês de maio. O estudo tem como objetivo principal colocar os alunos em contato com algumas fontes primárias existentes em arquivos brasileiros, utilizando para tanto, os documentos disponíveis na Biblioteca Pública de Lorena e na Cúria Diocesana do mesmo município. Com a orientação do pesquisador, os alunos dos três anos do curso de história foram divididos em grupos distintos obedecendo ao critério de modalidades documentais específicas que serão pesquisadas e analisadas, com os resultados apresentados ao final do estudo. Cada grupo trabalhará, na primeira etapa, com documentos em suporte de papel, divididos em séries pertinentes: Arquivos Judiciais: inventários, processos cíveis, processos crimes e livros de registros de escrituras; Arquivos Religiosos: Livros de batizados, casamentos e óbitos; Hemeroteca: jornais antigos da cidade; Arquivo de Imagens: fotografias antigas e modernas. Ao mesmo tempo, serão repassadas noções de paleografia (técnica de leitura de documentos antigos) e discussões e diálogos com a produção acadêmica dos grandes centros universitários (leitura de textos selecionados) que se utilizaram das mesmas fontes para a produção de novos conhecimentos históricos do Vale do Paraíba. Como foi destacada por Joaquim Roberto Fagundes na aula inaugural, a realização do estudo dirigido vem de encontro com as diversas necessidades prementes na formação do professor e historiador e que atualmente constitui-se num vácuo ressentido nas faculdades do Vale do Paraíba. Um dos sentidos é tornar as universidades da região centros de pesquisa histórica por excelência, principalmente por ser um espaço histórico antigo e por onde se formou e desenvolveu historicamente o Estado de São Paulo e o Brasil. E também pela oportunidade de proporcionar aos alunos dos cursos de história um contato amiúde e contínuo com os arquivos e fontes documentais produzidos desde o século XVII em várias cidades da região, ainda no curso de graduação. Portanto, um projeto inédito e de caráter contínuo que criará oportunidades diversificadas para os alunos de história, no sentido de buscar novos mercados de trabalho que estão surgindo com a valorização do patrimônio histórico brasileiro, em estreito relacionamento com os ideais e práticas de inserção social de inúmeras comunidades em programas de conscientização, conservação e disseminação da cultura regional como fonte de economia criativa. Ele encontra ressonância em nossos ideais de trabalho com a história, por mais de 25 anos, sempre procurando disseminar a ideia de que não é suficiente formar apenas o professor, mas, sobretudo o pesquisador, pois as duas categorias devem caminhar juntas, para evitar que seja reiterada nos grandes centros acadêmicos uma imagem negativa de qualidade e de falta de produção intelectual, que é essencial para o crescimento de um país. Além do que é preciso não permitir e, mesmo acabar, com o ciclo vicioso persistente nas salas de aula, da mera repetição de parcos e errôneos conhecimentos históricos produzidos ainda por conta de uma história positivista e enaltecedora de heróis, fatos isolados e elites do café. A essência ainda está por pesquisar, analisar e estudar e a Unisal poderá despontar como um centro de referência para outras instituições. Afinal, é preciso criatividade e esforço para valorizar os profissionais da região. É preciso reconhecer o valor da pesquisa, da mesma maneira como outras ciências tem realizado, principalmente em outros países. Não devemos esquecer que 2011 é o Ano Internacional da Química, justamente em homenagem a Marie Curie, pesquisadora nata que contribui para o aprimoramento dos estudos sobre a radioatividade. E em outros casos, até mesmo na área das novelas televisivas, onde a pesquisa é fundamental para recompor modos e cenários de época. Até para Lauro César Muniz, autor de folhetins, dizer que as novelas brasileiras estão descaracterizadas pelo excesso de produção em série e sem nenhuma qualidade (Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, 10/04/2011), o que comparativamente acontece com a formação do historiador massificado em sala de aula. Daremos mais notícias sobre o assunto e dos resultados do trabalho.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Cláudio Manuel da Costa

O mineiro Cláudio Manuel da Costa, consagrado pelos versos de Vila Rica, poema dedicado à fundação da capital “das Minas Gerais”, é revisitado de maneira inovadora nesse perfil biográfico escrito por Laura de Mello e Souza, que lança uma nova perspectiva sobre a vida, a obra e o destino do poeta brasileiro.O leitor é transportado à Minas Gerais do século XVIII, onde Cláudio Manuel da Costa exerceu a carreira de advogado paralelamente à de poeta, engajando-se também no movimento da Inconfidência Mineira. Um dos temas mais polêmicos de sua biografia, sua morte, cujas circunstâncias nunca foram totalmente esclarecidas, que continua a motivar muita especulação.Seu corpo foi encontrado em um cubículo na propriedade de um rico contratador, hoje conhecida como Casa dos Contos. A exaustiva pesquisa documental realizada em acervos brasileiros e portugueses permitiu à autora preencher lacunas da vida do poeta, tomar partido em várias disputas historiográficas, ao mesmo tempo que revelou um homem dividido profundamente entre o reino de Portugal e sua colônia na América; entre a ilustração e a escravidão; entre a liberdade e os valores do Antigo Regime.Gradativamente alçado a postos importantes da administração da capitania, Cláudio Manuel da Costa mantinha desde jovem um grande interesse pela poesia. O poeta integrava várias academias de letrados, principal instância de circulação da cultura erudita na América portuguesa da época. Escrito nos intervalos de suas obrigações públicas, Cláudio Manuel imprimiu seu único volume de sonetos, éclogas e liras em 1768, ampliando a reputação de literato no Brasil e na Europa. Como demonstra Laura de Mello e Souza, sua poesia, junto com a de Tomás Antônio Gonzaga, é uma das mais relevantes da literatura setecentista no Brasil, pois, ao mesmo tempo que se revela marcadamente dominada pela reverência aos modelos clássicos, incorpora aspectos importantes da paisagem e dos costumes brasileiros
Fonte: publicado em http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12660

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Memórias: Rodrigues Alves, Olavo Bilac e José Pires do Rio

Retomando a importância recíproca entre a literatura e a história cabe destacar os cuidados que se deve tomar quando a primeira é utilizada como fonte de pesquisa e informação. É necessário disponibilizar instrumentos alternativos para checar, comparar e complementar os dados levantados, com o objetivo de não incorrer em erros de interpretação. Fundamental será possuir uma metodologia adequada e uma fundamentação teórica suficiente para analisar as variáveis do objeto. A assertiva possibilita a identificação ou a constatação subjetiva da realidade nos elementos ficcionais da literatura, muitas das vezes, implícita na estrutura narrativa, resultante da imaginativa do autor e de sua experiência em sociedade, num lugar fixo no tempo. Cabe ressaltar, portanto, que no universo literário a memória pode significar interessante e importante fonte primária na pesquisa histórica; principalmente para o encontro de indícios e rastros da realidade. Isso porque, a memória pode ser considerada como registro do olhar e da percepção dos fatos vividos ou assistidos, direta ou indiretamente, mesmo que revestida de opiniões sectárias ou unilaterais impregnadas de visões ideológicas. Cabe ao historiador ou pesquisador analisar o grupo ou segmento social representativo do autor e as influências extrínsecas na formulação da escrita. Raciocínio, perspicácia e conhecimento multidisciplinar para extrair questões emblemáticas dos signos são algumas premissas para reconstituição históricas a partir da memória. E como nos dias atuais a tendência é o resgate e a valorização das memórias literárias, com a publicação de algumas obras do inicio do século XX, é oportuno usar como exemplo o escritor Humberto de Campos, maraenhense nascido em Muriti, radicado no Rio de Janeiro, e que além de escrever crônicas e memórias, foi Deputado Federal, diretor do Museu Casa de Rui Barbosa e contemporâneo do poeta Olavo Bilac, do engenheiro aparecidense José Pires do Rio e do Conselheiro Presidente Rodrigues Alves. Na obra Perfis (I Série) o autor destaca uma pequena biografia de José Pires do Rio (p. 91-98), especialmente nos primeiros parágrafos, onde, de passagem, mostra difusamente como se davam os relacionamentos sociais no final do século XIX e inicio do XX. Residindo, aí, traços da estreita relação da história e da literatura, onde se averigua a ligação entre o engenheiro e o Conselheiro Rodrigues Alves. Humberto de Campos começa o texto descrevendo a cidade natal do Conselheiro e os primórdios do exercício político do estadista. Diz o literato: “Guaratinguetá começava a ensaiar o seu espantoso surto econômico, multiplicando a população e a riqueza, quando o advogado Francisco de Paula Rodrigues Alves, moço ali nascido e criado, e que principiava sua carreira política no partido Liberal, foi procurado, em princípio de 1881, por um fazendeiro das vizinhanças. Era um português identificado com a terra, casado com senhora brasileira, dono de vinte mil pés de café, que lhe ia comunicar com singeleza: - Eu fiz a promessa, no ano passado [1880], de batizar um filho, agora, antes da safra, e que o padrinho seria a pessoa mais importante cá da cidade. A criança nasceu agora em novembro, é macho; e como a pessoa mais catalogada cá de Guaratinguetá é o senhor doutor, eu vim saber se aceita o menino para afilhado” (p. 91). Destaca, ainda, que Rodrigues Alves não tinha o mesmo prestígio que outros políticos, como Campos Sales, Glicério, Prudente e Bernardino de Campos, paulistas republicanos de primeira hora, e que mais tarde foram amigos e correligionários. Mediante o pedido, segundo Humberto de Campos, o Conselheiro Rodrigues Alves descobriu o que considerou ser uma excelente estratégia eleitoral o fato de ser padrinho de um grande número de recém-nascidos; o que, no futuro, significaria potencialmente eleitores cativos. E, realmente, no período a rede de apadrinhamento era fundamental para a criação de redutos eleitorais; herança colonial muito reutilizada pela República. Uma atitude inusitada que as fontes escritas não registram, assim como tantas outras maneiras de viver. Outra percepção, fato comum no período, principalmente no decorrer do século XIX, é a simbologia religiosa humanizada e transformada em ato social de grande aceitabilidade, o de se ter uma madrinha escolhida entre os santos. Humberto de Campos registra o hábito pelo batizado de José Pires do Rio. Segundo o autor, o Conselheiro foi padrinho do menino José, juntamente com Nossa Senhora Aparecida, escolhida como madrinha. O menino tornou-se engenheiro, prefeito de S. Paulo e ministro de obras e viação no governo de Epitácio Pessoa, filho do Coronel da Guarda Nacional Rodrigo Pires do Rio, proprietário de terras no atual município de Aparecida (daí a madrinha ser Nossa Senhora Aparecida). E amigo intimo do Conselheiro e de Oscar Rodrigues Alves, filho do estadista (chefe de gabinete de seu pai durante a presidência da república, secretário do interior, no governo paulista de Altino Arantes, e Deputado Estadual). A questão dos laços de amizade aparece no escritos como um facilitador na ascensão econômica de José Pires do Rio, principalmente na nomeação para a Inspetoria das Obras contra as Secas no nordeste do país. E o outro aspecto social interessante descrito na obra é a dificuldade em estabelecer o apelido familiar: se patrilinear ou matrilinear, ou como forma de homenagem associada ao apelido de outro individuo sem laços consangüíneos. No caso do engenheiro prevaleceu o apelido de origem paterna, mas existiram outras variáveis. Foi comum na pia batismal e no registro do batismo aparecer somente o primeiro nome, e posteriormente, vincular um sobrenome. Não existia regra jurídica normatizando o uso dos apelidos, o que apenas aconteceria na República. Eram atos intrínsecos ao portador ou aos pais da criança, ao sabor das devoções religiosas e das redes de solidariedade social, política, como por exemplo, a adoção do sobrenome do padrinho ou madrinha. No âmbito religioso, especialmente nas mulheres, foi generalizado o uso de apelidos como Conceição, de Jesus, o que significava abandono total do sobrenome familiar pela extrema influência religiosa na vida das pessoas nos séculos passados. Em outra obra, intitulada “Diário Secreto”, Humberto de Campos descreve outra situação envolvendo o Conselheiro e o poeta Olavo Bilac, segundo informa o escritor Fernando Jorge, um dos biógrafos do poeta, no livro “Vida e Poesia de Olavo Bilac” (p. 253-254). Na obra relata, em segunda mão, a estima que o poeta dispensou ao Conselheiro por ocasião do episódio do ataque militar ao Palácio do Catete durante a presidência de Rodrigues Alves. Segundo a tradição oral resgatada por Humberto de Campos, consta que Bilac, ao passar pela sede do governo na madrugada dos acontecimentos, resolveu entrar e demonstrar solidariedade ao amigo, permanecendo até o dia seguinte. Além disso, ainda corria a versão de um romance entre Bilac e uma das filhas do presidente, que Campos Sales fazia o maior o gosto. Notoriamente eram pessoas que se relacionavam, principalmente numa cidade prestes a ser cosmopolita nos seus entreveros sociais e culturais. Ademais, o escritor e político Afonso Arinos de Melo Franco escreveu em sua obra que, entre as poucas obras apreciadas pelo Conselheiro Rodrigues Alves, com exceção dos livros de cunho político, estavam obras parnasianas, principalmente da safra de Olavo Bilac (1973: 786).


Referências


CAMPOS, Humberto de. Perfis (Crônicas) – I Série. Rio de Janeiro: W.M. Jackson INC. Editores, 1947. Obra Póstuma.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: Apogeu e Declínio do Presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973 (Coleção Documentos Brasileiros, 155-A).

JORGE, Fernando. Vida e Poesia de Olavo Bilac. 5. ed. revista e atualizada. Osasco-SP: Novo Século, 2007.


Imagem: jornalolince.com.br

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Hábito de Colecionar Selos – Um Resgate Histórico Necessário

No momento estou feliz com o eterno retorno aos escritos de Brito Broca; não somente por sua linguagem simples e clara, mas pela erudição que irradia ao leitor como se estivesse redescobrindo o mundo. No intervalo que faço, deixando à margem outras leituras, o legado cinqüentenário de Brito Broca torna-se por um tempo o meu livro de cabeceira. Estou relendo “Papéis de Alceste” e entre tantas surpresas a cada regresso ao mundo do autor e as afinidades as quais também me identifico deparei-me com o texto “Coleções de Selos” (1991:101-102). O que inspirou a tecer alguns comentários a respeito por dois bons motivos. O primeiro, porque o blog, desde o inicio, divulga algumas imagens de selos como forma de difundir a existência desses como fonte documental para a história e, ao mesmo tempo, para despertar curiosidade por sua qualidade enquanto expressão de arte (são lindas as estampas) originária de diversos artistas brasileiros. E o segundo, porque o raciocínio desenvolvido pelo autor durante o texto continua atual ao comentar o abandono do habito de colecionar selos como fonte inspiradora para aprofundar conhecimentos, seja ele subjetivo ou não. Por aquele tempo, e isso há mais de cinquenta anos, lamentava o escritor que já caía em esquecimento o ato de admirar e colecionar selos e outras tantas modalidades de produtos comerciais que, a nosso ver, unia, outrora, amplamente o sentido do consumo com a ideia de cultura, educação e paixão mediante a produção capitalista de grande alcance e responsabilidade social, com resultados que memorialisticamente o autor exemplifica, como por exemplo, a quantidade de vezes que recorreu aos compêndios de geografia e história para melhor entender a imagem que viu estampada nos selos. E tal processo de abandono continua inalterado no presente e quem sabe em perspectiva mais acentuada, a ponto de ser considerado mais ainda, um produto de elites, inacessível, é claro, por seu preço abusivo. O que faz pensar na necessidade de torná-lo popular, com preço reduzido e direcionado para o público escolar, ou seja, desenvolver projetos de grande alcance onde o selo pudesse ser regularmente utilizado e, ao mesmo tempo, como de fato um recurso didático nas escolas. Lembro perfeitamente que passei, assim como autor, pela fase áurea do colecionismo, e naquela época aprendi a desenvolver o senso estético que o mesmo alude em suas linhas e ter descoberto a minha paixão e vocação profissional através das inúmeras temáticas de cada selo. Hoje, com as novas tecnologias e o acirramento dos temas e lançamentos sigilográficos, deve ser desenvolvido mecanismos para uma cultura criativa que possa estimular a prática do aprendizado pela filatelia. É uma questão de começar uma ação educativa duradora para mais de uma geração, com inclusão social ampla a partir da família e da casa onde se vive. Por outro lado, como fonte histórica, no rastro de leituras analíticas visuais como a fotografia antiga, o selo pode nos levar a pensar o tempo em que foram lançados e o por que; embora saibamos que no Brasil uma das premissas ainda seja o caráter comemorativo do tema e a sua cronologia. Um exemplo neste sentido, tanto para escolas como para museus, é a clássica exposição de selos, mas com a diferença de proporcionar, por etapas, uma leitura atenta e mais participativa através da observação direta e releitura dos dados por parte dos alunos ou visitantes em geral. Na primeira etapa pede-se ao observador que escolha um selo específico e dele faça uma leitura própria, o que permitirá observações diversificadas que servirá para a segunda etapa do processo que será a releitura do tema, em palavras ou desenhos, onde descreverá, também, como pensou sua outra visão e ideia acerca do assunto, travando assim, um diálogo entre o selo e o observador. Em outra variante pedagógica, pré-elaborada conceitualmente por diversos profissionais, coloca-se em prática a estruturação de equipes, que desperta a consciência de participação coletiva e colaborativa. Todos, em comum acordo, escolhem e analisam um determinado selo, sendo que alguns ficam responsáveis pela redação das impressões do grupo, outros pelo desenho e outros pela leitura dos resultados, reconhecendo, para tanto, a aptidão de cada um. Nesse caso, haveria a disponibilidade de informações adicionais como consulta ao professor e aos livros de referência, se houver uma biblioteca disponível ou livros pré-selecionados. É claro que para cada público deve ser desenvolvido um método e ações diferentes. Aí valerá o esforço criativo do professor e dos profissionais envolvidos. Vale dizer que se pode processar uma pesquisa anterior dos temas filatélicos, desde que seja criado um aparato técnico de apoio discutido por profissionais, utilizando-se das bibliotecas (o que estimulará o hábito de leitura) da escola e de outras instituições. E, a partir daí criar projetos incentivados de maior envergadura, com a participação de alunos e de membros da comunidade, onde a escola ficaria responsável pela transformação dos resultados em instrumentos reais, como os selos personalizados oferecidos pelos Correios. Valoriza o selo, valoriza os temas brasileiros e reitera ações sociais combinadas e diversificadas. E muito mais.


Referências

BROCA, José Brito (coordenação de Alexandre Eulálio). Papéis de Alceste. Campinas:Editora da Unicamp, 1991. (Coleção Repertórios).

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sobre Cassiano Ricardo e a Marcha para Oeste

Certa feita foi chamada a atenção de um grupo que participava de um curso determinado de que devemos dar olhos para situações mesmo que possam representar um desprezo imediato de nossa parte. Nelas encontram-se, por vezes, ideias a se transformar em outras, mediante a utilização de mecanismos novos para um público maior. Tal expressividade com alta dose dialética é serventuária principalmente para a área cultural, mesmo sendo um Big Brother da vida. Programa mercadológico a parte, a afirmação parece fundamental enquanto ideia transformada na interpretação ou nova interpretação de velhos conceitos sociológicos e históricos a respeito de compreender melhor a formação do país. Necessariamente se fizermos um exercício de releitura sobre alguns clássicos da historiografia brasileira, buscando indícios paradigmáticos que definitivamente a maioria dos acadêmicos deixou escapar, sobretudo quando se trata de obra considerada arcaica pelo seu método ou pelos conceitos teóricos empregados, principalmente do período da primeira metade do século XX, quando a influência do positivismo era lugar comum para a restituição do passado. Se tentarmos compreender as informações e a estrutura desses trabalhos podemos dele extrair pensamento anteriormente esquecido ou repudiado enquanto revestido de verdades falseadas. Pensando em tal postura, considerando ser ponto pacífico o olhar atento para as minúcias, em consonância com alguns pontos da micro-história, basicamente em seu paradigma indiciário, podemos considerar ou reativar algumas obras esquecidas, que no momento de seu lançamento e posteriormente se constituíram em símbolo de análise crítica da formação social do Brasil, a exemplo das reedições ora permeadas no mercado da safra de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e outros; mesmo da área literária, quando se resgata e reabilita alguns escritores, moradores no limbo por mais de setenta anos, como o caso do “Diário Secreto”, de estilo memorialístico do poeta e escritor Humberto de Campos, a ser lançado este mês (aliás, fundamental para compreensão de homens que viveram na primeira metade do século XX, mas considerado “mexeriqueiro” por Brito Broca). No rastro deste raciocínio inclui-se, entre muitos, o ensaio histórico de cunho sociológico do escritor valeparaibano Cassiano Ricardo, intitulada “Marcha para Oeste”, lançado em 1943, e posteriormente pela Livraria José Olympio Editora, na Coleção Documentos Brasileiros (nº 25). Cassiano Ricardo, nascido em São José dos Campos e membro da Academia Brasileira de Letras, foi um intelectual agressivo em suas ideias, defendendo-as a tal ponto que ficou famosa a sua discordância com Sérgio Buarque de Holanda pelas ideias expressas pelo historiador no ensaio “Raízes do Brasil, e que resultou no estudo sociológico com o título acima referido. Embora seguindo teorias de Gilberto Freyre e de Oliveira Vianna, pioneiros na maneira de interpretar o Brasil em formato generalizado, a obra se constitui num calhamaço de mais de quinhentas páginas, onde Cassiano Ricardo trata do fenômeno bandeiras na formação social do país, trazendo ideias que poderiam ser reinterpretadas ou consideradas para lançar um novo olhar sobre o período quinhentista do Brasil, principalmente no momento atual em que o período colonial está sendo estudado com maior vigor e revisitado em alguns temas cristalizados pela historiografia nacional. Assim, como tanto outros valeparaibanos, Cassiano Ricardo precisa ser lido e preescutado na sua essência mais acadêmica, com relançamento da obra e discussões em torno do tema, cujo fulcro seria, num plano mais intimista e olhar micro cósmico, repensar o Vale do Paraíba integrado historicamente no circuito das bandeiras e, portanto, importante no contexto de entender a formação social do Brasil. Além disso, interessante para reavivar ou esquecer a discussão deflagrada na década de 1980 sobre a questão de uma identidade valeparaibana. A estrutura do trabalho de Cassiano poderia suscitar uma leitura da veracidade de tal empreendimento identitário, se confrontado com novos documentos e obras pontuais existentes sobre o assunto, entre eles, o inédito doutorado do Professor Doutor Carlos Eduardo de Castro Leal (USP-Antropologia, 2004), intitulado “O Baú de Apelidos”, que traz perspectivas interessantes sobre a sociedade do Vale do Paraíba nos séculos XVIII e XIX. Pelo menos da minha parte, quero empreender a difícil tarefa de ler “Marcha para Oeste”, como forma de redescobrir ideias que possam transformar ou indicar novas possibilidades de pesquisa; se possível livre das inferências ideológicas e teoricamente aceitas na atual conjuntura. Que outros possam acompanhar. Mas sem o nacionalismo extremado praticado em muitos períodos do século XX, que ofuscou o entendimento do paulista numa realidade mais ampla.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O IPTU do século XIX – A décima Urbana na Vila de Cunha - 1812

A tributação sobre os prédios urbanos e terrenos teve sua implantação jurídica no Brasil com a chegada de Dom João VI, pelo Alvará de 27 de junho de 1808 que criou o imposto da Décima dos Rendimentos dos Prédios Urbanos (Décima Urbana ou Décima), com o objetivo, naquele período, de suprir os cofres da Corte Portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro.
Primeiramente foi praticada no município da Corte, nas vilas da beira-mar e no interior do país, sendo administrada por uma Junta ou Superintendência, composta pelos principais membros da população, sendo um nobre e outro do povo, dois carpinteiros, um pedreiro e um fiscal. Atualmente, com regras mais sofisticadas e onerosas, permanece como tipo de cobrança para suprir economicamente o município, sob outra designação, conhecida como IPTU: Imposto Predial e Territorial Urbano.
Na Capitania de São Paulo passou a funcionar a partir de 1809 nas cidades de Santos, São Paulo e Cunha, no formato de cadernos anuais, como uma espécie de processo com as informações do proprietário, propriedade e valor. Sendo as únicas a terem preservado esse tipo de documentação, hoje utilizada por historiadores que trabalham com a formação das cidades no período colonial, e o uso e posse do solo (ver Raquel Glezer).
O documento traz a abertura feita pelo juiz ordinário, a relação das propriedades, elencadas por rua, contendo o nome do proprietário (com numeração, mas sem saber se da propriedade) o tipo do imóvel e sua divisão, o valor anual do rendimento, o valor a ser cobrado e o termo de encerramento. O valor cobrado representava 9% do valor do rendimento e não dez como o nome do tributo sugere.
Na vila de Cunha, por exemplo, foram coletados os dados da décima urbana da vila de Cunha referente ao ano de 1812, preservada no Museu Francisco Veloso.
Naquele ano a décima urbana traz 119 propriedades relacionadas no entorno da capela de Nossa Senhora da Conceição (seis ruas) e no rocio da vila (subúrbio), com as seguintes informações: Juiz Ordinário da vila, Capitão João José de Macedo; fiscal, Sargento-mor Luiz Manuel de Andrade, que fazia a função de advogado; nobre, Ajudante Vitoriano Manuel de Andrade (filho do fiscal); pessoa do povo, Tenente Francisco José Gonçalves; carpinteiros, Alferes Antônio Álvares de Castro, português e caixeira viajante, e João Lopes da Costa; pedreiro, Frederico José Cardoso de Abranches, português, comerciante e alugador de negros.

Ruas da Vila de Cunha em 1812

Rua Direita – 43 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua da Quitanda – 14 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua das Violas – 4 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua da Lapa – 18 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua das Flores – 3 propriedades;
Rua da Praça – 3 propriedades – lado único;
Rocio da Vila – 34 propriedades.

A propriedade com maior valor estava na posse do Coronel José dos Santos Souza, um sobrado de três lanços (cômodos) na Rua Direita (talvez a principal da vila) avaliado em vinte mil réis, pagando de imposto 1800 réis.
Na continuação, aparece ainda, entre os imóveis melhor avaliados, as propriedades do Capitão Antônio Álvares de Castro, Tenente Coronel Antônio José de Macedo Sampaio, em R$ 12000, e o Tenente José Álvares de Oliveira, Thomaz da Silva Reis, Dona Thereza Joaquina de Oliveira, Capitão Francisco Xavier Leite e Capitão José Monteiro dos Santos, em R$ 10000 réis.
Entre os proprietários na praça principal, onde estava localizada a matriz de Nossa Senhora da Conceição, aparecem o Alferes Antônio Álvares de Oliveira, Dona Ana Maria Thereza e o Padre João Pereira da Costa.
As propriedades menores e de menor valor encontravam-se no rocio da vila, avaliadas entre 640 e 6000 réis, sendo está última, de propriedade do Alferes Manuel Rodrigues Correia.


Referências: VELOSO, Museu Francisco Veloso. Décima Urbana da Vila de Cunha, 1812.

terça-feira, 22 de março de 2011

Curso de Capacitação para Museus

Na última semana aconteceu, em Brodowski-SP, o I Módulo do Curso de Capacitação para Museus, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, por seu Sistema Estadual de Museus-SISEM, com o apoio da Associação Cultural de Amigos do Museu Casa de Portinari-ACAM.
Trata-se de uma iniciativa singular e propícia para os profissionais que trabalham em instituições museológicas no sentido de aperfeiçoar, complementar e, principalmente, atualizar o conhecimento na área; especificamente nas questões que envolvem o mecanismo das leis de incentivo cultural, formatação de projetos da mesma natureza. A finalidade é sintonizar-se com a atual conjuntura econômica do país, onde o conceito e a prática da economia criativa é parte fundamental na gestão de novas iniciativas, com o objetivo de ampliar a participação e a diversidade cultural da população brasileira.
E, por essas, e outras, em consonância com as necessidades atuais, que o SISEM tem procurado parcerias com instituições políticas e culturais para a realização desse curso, que contou com a participação de profissionais de inúmeras cidades do Estado de São Paulo, como Sorocaba, Guaratinguetá, Tupã, Brodowski, Ilha Solteira, Santa Cruz do Rio Pardo, Ribeirão Preto, Olímpia, Franca, Batatais, Pompéia, Casa Branca, José Bonifácio, entre outras.
Para o atual curso foram selecionados quarenta convidados para participar dos três módulos que compõe todo o curso; sendo o primeiro realizado na Câmara Municipal de Brodowski e na cidade de Sorocaba, e os próximos nas referidas localidades nos meses de abril e maio, a saber: Formatação de Projetos e Leis de Incentivo, Curadoria e Expografia, Produção e Montagem de Exposições.
Uma proposta que no primeiro módulo trouxe para o primeiro módulo os profissionais Roseli Biage e Leonardo Castro, que realizaram palestra e atividades sobre a montagem e formatação de projeto cultural de incentivo fiscal; Fábio Cesnik, advogado especializado em direitos autorais e Lei Rouanet, da firma Cesnik, Quintana&Salinas (representantes de artistas como Daniela Mercury e Chico Buarque de Holanda, e a Escola Primeira de Mangueira, entre outros); Ana Carla Fonseca Reis, especialista que trabalha em projetos de Economia Criativa e Economia da Cultura em diversas instituições pelo país.
Como para melhor certificar os participantes, foram montados grupos para a elaboração de projetos culturais concretos para avaliação por intermédio de tutorias via web e blog.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Velhas Fazendas do Vale do Paraíba

Apesar de acreditar que o tema é pretérito, as velhas fazendas do Vale do Paraíba, originárias do período áureo do café, são integrantes de uma estrutura pontual no contexto histórico regional e, portanto, necessário para o conhecimento amplo de um patrimônio a ser cuidado e entendido pelas gerações atuais e futuras.
Desse modo, o relançamento da obra de Sérgio Buarque de Holanda “Velhas Fazendas do Vale do Paraíba” é uma contribuição impar, principalmente para o uso didático; além do que acessível ao bolso da maioria (R$ 25,00).
Com desenhos de Tom Maia, amigo e estudioso do patrimônio valeparaibano, e apresentação dos historiadores Jean Marcel Carvalho França e Antônio Celso Ferreira, a obra é para os leigos uma iniciação ao mundo imperial, onde a influência européia, principalmente francesa, moldou a maneira de vestir, comer, morar e de comportar do brasileiro até a primeira metade do século XX.
Vale a pena conferir para despertar para outros temas da nossa história.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Livro de Renato Leite Marcondes

Renato Leite Marcondes, professor do curso de economia da USP/Campus de Ribeirão Preto-SP, nascido em Lorena-SP, brinda seus admiradores com mais uma publicação séria e de grande competência.
Neste livro, contribui com ampla evidência empírica sobre esse ponto, resultado de um trabalho de pesquisa da maior importância. Investigando, em todo o País, Listas derivadas da matrícula e classificação dos escravos, determinadas pela Lei do Ventre Livre, de 1871, reuniu dados para uma extraordinária amostra da população escrava naquele período: 112,7 mil cativos, correspondentes a 25,6 mil proprietários; 7,3 % do número total de escravos então existente. A amostra abrange catorze das vintes províncias, destacando-se a cobertura para São Paulo, onde os dados colhidos referem-se a 30 % do total da população escrava. O quadro em emerge desses dados confirma as pesquisas referidas acima. Acima de 70 % dos possuidores de escravos , em todas as províncias, tinham não mais do que quatro cativos.
Fonte:http://www.submarino.com.br/produto/1/21825764/www.submarino.com.br/produto/1/21825764

quinta-feira, 3 de março de 2011

Polêmica na Casa de Rui Barbosa

O Brasil está como sempre com seu revestimento de permanência e disfarce de ruptura. O que faz pensar no caráter pragmático dos acontecimentos “originais” sem nenhum resultado profundo.
Sob o manto de ideologias questionáveis e anacrônicas, o país vem escamoteando e relegando problemas sérios nas áreas da educação e da cultura, preocupando-se com projetos aparentes, destituídos de substância e continuidade, fruto de uma estilizada reedição do populismo da primeira metade do século XX, onde a tutela do Estado concretiza ações pelas quais as soluções não atingem a democracia na sua principal acepção: o governo de um povo que forma a sua consciência na possibilidade de oportunidades igualitárias ao nível de acesso a todos os instrumentais do conhecimento humano; não apenas pelo repertório político arcaico, onde as discussões são inócuas e inteligíveis.
Nesse sentido, coadunamos com as vozes discordantes a respeito da polêmica envolvendo o futuro dos trabalhos e dos projetos culturais da Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro e que culminou, felizmente com a queda daquele que não chegou assumir.
A posição do ex-futuro diretor daquela casa, o sociólogo Emir Sader, é o espelho das afirmações acima expostas e mostra de maneira contundente o quanto a política pela política, sem comprometimento e conhecimento, pode arrasar continuidades quando demonstrada no âmago das instituições colocadas sob o crivo de homens despreparados que procuram tão somente servir de instrumento para demagogias governamentais de interesses múltiplos, fundamentalmente eleitorais a serviço de grupos políticos que visam o poder.
Transformar uma instituição com caráter definido e postura de ação substancial, pautada em longo prazo, é colocar em descrédito o trabalho de um número infinito de profissionais das múltiplas áreas do conhecimento lá alocados. É desconsiderar a seriedade dos trabalhos, sobretudo os qualificantes deles gerados. O que demonstra uma total falta de conhecimento do trabalho da instituição, ou algo de dissimulação para fazer dela um trampolim para apadrinhados relegados ao segundo plano, como prêmio de consolação.
Além de tudo, demonstra a total incompetência para reconhecer o valor da pesquisa cientifica nas sociedades modernas, principalmente nos diversos ramos das ciências humanas, cujo estopo é a formação social e cultural do individuo.
Abrir a casa para discussões e debates pertinentes sobre temas fundamentais para a viabilização de um país melhor é obvio e importante, mas desde que instituídos como elementos participes de um conjunto amplo de variáveis, onde conceitos ideológicos e partidários se mostrem de maneira plural e não apenas como conceito de perpetuação do poder. Não há porque personalizar a instituição, pois antes de tudo possui uma identidade e uma herança histórica que tem contribuindo para entender o espectro social, político e econômico da nação, como poucas instituições têm realizado.
A política de arranjo, descrição e divulgação dos acervos museológico e arquivistico, que conheço em parte, tem contribuído para o desenvolvimento de trabalhos que contam com a com a participação popular.
E, mesmo que a vida intelectual tenha se especializado, como disse o sociólogo, existe nela um sentido de objetivos e olhares multidisciplinares, permeados nos diversos profissionais que ali estudam e pesquisam e, portanto, não incompatível com a inserção de outros paradigmas de trabalho.
Grandes temas nacionais entram como peça complementar do quadro de atividades, mas nunca como um substitutivo. Ademais, o encetamento de temas gerais corre o risco de cair no vazio e mais uma vez encobrir velhas feridas, tratando-as com um público que infelizmente não possui instrumentalização suficiente para enxergar a estrutura e a envergadura de certos temas. Somos ainda um país de formação educacional falha e inconsistente.
A Casa de Rui já é um espaço público por excelência, o que, aliás, inexiste no popularismo lulista, do tipo comunista sem causa. Um espaço de memórias diversificadas e multidisciplinar.
Esperamos que, com a queda, ou possível demissão de Emir Sader, não venha repetir a escolha de pessoas sem conhecimento. Agora é esperar as políticas do Ministério da Cultura (leia-se de Ana de Hollanda), sem as desculpas de incompatibilidades com possíveis políticas.
Está registrado o nosso protesto e a solidariedade aos que, por anos a fio, construíram e constroem o edifício iniciado por Rui Barbosa.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A Importância da Genealogia para a História

A genealogia é a ciência auxiliar da história. Tal afirmação tem raízes distantes no tempo, como também importância capital para o atual estágio da historiografia brasileira.
Embora negligenciada, por sua característica positivista e, por isso mesmo, confundida com nobiliarquia, ela nunca foi tão utilizada como está sendo agora. É o resgate do seu valor enquanto necessário para cumprir o seu papel original, ou seja, conhecer amplamente os nossos antepassados, independente de sua origem social.
Com o acirramento da pesquisa histórica nos últimos trinta anos, principalmente nos cursos de pós-graduação no Brasil, historiadores têm olhado para a genealogia como forma de embasar e compreender inúmeros aspectos sociais, econômicos e políticos do país no decorrer dos seus 500 anos de existência.
No Vale do Paraíba, principalmente, pela falta de pesquisa, também como de visão historiográfica e metodológica, a genealogia é tida como um mero instrumento de para designar a ascendência genealógica, com nomes, datas e realizações individuais visando o enaltecimento de nobres famílias, pensado em reforçar as diferenças entre os indivíduos, seja pelo seu sobrenome ou pelo cargo que ocupou.
Porém, por detrás de nomes e datas, existiram vidas inseridas em conjunturas e permanências ao longo da história. Segui-las por intermédio de incontáveis documentos é uma tarefa que acaba por ser uma iniciação para a pesquisa histórica.
Primeiramente como curiosidade e depois como experiência lúdica, principalmente se trabalhada desde tenra idade, a partir da família, por intermédio de memórias, lembranças, fotografias guardadas no fundo do baú, esclarecendo como as pessoas viveram e morreram nas mais diferentes épocas e como estavam inseridas dentro do seu tempo.
E, depois, na medida em que a dedicação ao assunto se desenvolve, nasce o espírito arguto da pesquisa, objetivando compreender a vida dos antepassados e, assim, a busca e o aprendizado pelo conhecimento das fontes históricas. Assim, a história se descortina no horizonte, numa busca incessante de compreensão do passado, presente e futuro, que deveria ser notada e adotada como uma maneira didática nas escolas públicas.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Os Testemunhos nos Processos Judiciais

Para um bom começo de ano, ativando o raciocínio através de novas leituras e releituras, optei pelo hábito saudável do retorno aos textos percorridos anteriormente. Salutar pelo motivo de trazer perspectivas diferentes, suscitando abordagens e ideias novas.
Foi o caso de outra leitura do capítulo III do livro “A Herança Imaterial”, de Giovanni Levi, com o título “Três Histórias de Famílias: os núcleos parentais” (1).
No exercício para rever leituras pretéritas, indo no sentido anti-horário da busca de novo aprendizado no ano que começa, tendo como base o referido texto, ocorreu-me discorrer especificamente sobre algumas observações que o autor coloca aos leitores sobre a questão de seguir os rastros de um grande número de indivíduos de determinada comunidade por intermédio das informações deixadas nos registros públicos. Tal texto fez pensar nos processos cíveis existentes nos cartórios judiciais das vilas e cidades do interior do país num período de mais de trezentos anos.
Levi fala (p. 87) sobre a reconstrução prosopográfica (2) e biográfica de indivíduos e a precariedade que isso pode representar na pesquisa história. Segundo ele, através do resgate da vida de moradores de uma determinada comunidade conseguimos detectar uma história possivelmente mais ampla por intermédio de indivíduos selecionados socialmente, ou seja, que deixaram rastros em diferentes tipologias documentais por sua presença ativa na comunidade, podendo, a partir daí, reconstituir socialmente comunidades inteiras pelo conjunto de seus moradores. Porém, com o alerta de que não se consegue atingir a totalidade, correndo o perigo de chegar a resultados abstrativos da criatividade do pesquisador.
Isso transposto para a nossa realidade documental-histórica, embora todas as limitações, remete-nos para a importância das testemunhas e dos envolvidos nos processos cíveis (3) amplamente diversificados, pois neles são encontradas pessoas comuns, com profissões e origens diversos, desde o mais humilde até ocupantes de cargos públicos.
Neles encontramos olhares diferentes e variáveis quanto ao tipo de resolução das demandas sob a luz das leis portuguesas e brasileiras, principalmente das Ordenações Filipinas (4), que permaneceram como escopo de análise jurídica até 1916, quando foi aprovado o Código Civil Brasileiro.
Além dos formatos discursivos judiciais e dos procedimentos processuais repetitivos, constante por longo número de folhas, lembrando as assertivas de Levi no capítulo III, existe um universo de possibilidades enquanto instrumento para dar voz a indivíduos que nem sempre tinha intensa representatividade social, o que aumenta a chance de análise das maneiras de pensar o mundo no período sob um foco diversificado, diferentemente das idéias meramente elitistas, no sentido de entender principalmente o homem colonial no Vale do Paraíba. As diferenças nas falas aparecem sedimentadas, fruto dos laços parentais complexos diluídos em atitudes inteligíveis e incompreensíveis no conjunto das relações intra-familiares.
É obvio que se trata de uma tarefa hercúlea auscultar o sentido das palavras e os processos ideológicos imbricados na teia social do interior do país, mas fundamental para as tentativas de caracterizar modelos gerais dentro de uma lógica estrutural.
Por enquanto, é importante despertar interesse por aquele tipo de fonte. Que o diga Maria Sylvia de Carvalho Franco (5).

Notas

1- LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. Membro de uma família judaica, seu pai Ricardo Levi foi militante do grupo antifascista Giustizia e Libertà durante a Segunda Guerra Mundial o qual junto com a militância de seu tio Carlo Levi autor do clássico: Cristo se paró en Eboli; marcaria a forma de conceitualizar o mundo do jovem historiador. Junto com Carlo Ginzburg é reverenciado como fundador e pai da microhistória italiana. A qual é considerada como uma das aportações teóricas e prácticas mais importantes, inovadoras e frutíferas que se tem feito aos estudos históricos a partir da Revolução Cultural que significou o 1968.
2- Prosopografia: "descrição de uma pessoa" (prosopon grego: "personagem (teatro)", quando "pessoa", "indivíduo" em geral.). Para os historiadores da antiguidade, a Prosopografia era uma ciência auxiliar da história, cujo objetivo foi o de estudar as biografias dos membros de uma categoria específica da sociedade, principalmente elites, social ou política . Por metonímia, "Prosopografia" inclui também o livro em que personagens são ordenados alfabeticamente e registos individuais, com uma descrição das características selecionadas para o estudo.
3- Por processos cíveis, entende-se, aqui, a todos aqueles originários de demandas a serem resolvidas perante o judiciário, com a exceção dos inventários e testamentos. Em sua multiplicidade, citamos, entre outros, os crimes de diversas naturezas, as pelejas de medição e repartição de terras, cobranças de dividas, alforrias, vendas de heranças e de escravos.
4- As Ordenações Filipinas não são portuguesas e nem brasileiras. Foram promulgadas por um monarca espanhol em 11 de janeiro de 1603 (Filipe III, na Espanha, ou Filipe II, quando rei em Portugal) e, aqui, no Brasil, vigoraram até 16 de dezembro de 1830. Depois, foram sucedidas pelo Código Criminal do Império, este construído a partir da Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824.
5- FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 3. ed. São Paulo: Kairós Livraria Editora, 1983. A autora trabalhou consultou inúmeros processos crimes da vila de Guaratinguetá, entre os anos de 1880 e 1890.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Retornando para a Escrita da História

Prezados amigos

Um longo tempo passou. Nenhum texto postado ou divulgação necessária. Os compromissos de trabalho no Museu H.P. Conselheiro Rodrigues Alves e outros trabalhos impediram dedicação amiúde, refletindo a realidade de que não retomaria o compromisso que o blog se propôs desde a primeira postagem.
Reafirmo o compromisso na continuidade de comunicar e divulgar a história e a cultura valeparaibana, no sentido de colocar em pauta e visibilidade a necessidade que todos nós temos com a região, principalmente em proporcionar uma visão renovada dos estudos históricos e do patrimônio histórico documental.
A ideia é reiterar que estamos em atraso em comparação com outras regiões no que corresponde ao conhecimento da realidade, seja no passado ou no presente.
É preciso estar atento aos rumos da pesquisa histórica, que tem um desenvolvimento dinâmico, e que o Vale do Paraíba não está plenamente inserido, salvo casos isolados no universo acadêmico.
Nossos professores, alunos, doutores e a população em geral, estão à margem do processo de integração regional. E as instituições, em sua maioria, continuam estanques.
Em 2011 teremos o simpósio de história do Vale do Paraíba, com tema relacionado ao patrimônio documental e a sua pertinência com a educação, e tal momento será um apelo para a transformação e integração, no sentido de buscar com afinco uma compreensão real do seu papel desde o período colonial até a atualidade, como forma de reversão da inércia que a partir da segunda metade do século XX se instalou nas estruturas sociais de diversas localidades da região.
Por fim, espero continuar contribuindo com os fiéis seguidores, aumentando cada vez mais o raio de ação; que é claro necessita do seu apoio contínuo ao acessar o blog.
A todos, um ano repleto de sucessos e mudanças. Muito obrigado.