sábado, 7 de agosto de 2010

As Roças de Bento Rodrigues Caldeira – Século XVII

O povoamento do atual município de Lorena está ligado ao caminho para as Minas Gerais, ao aprisionamento de índios, mas, sobretudo pela existência de extensas áreas de fronteira comercial e agrícola, que contribuiu para o estabelecimento de famílias nessas áreas, onde existiram atividades econômicas concomitantes. A primeira, de necessidade primária, que foi a utilização da terra para sobrevivência, por aqueles que não possuíam cabedais suficientes para expedições ao sertão dos minérios; a segunda, em função da estratégica localização no caminho para as Minas Gerais, que possibilitou a formação de um estreito relacionamento socioeconômico intra-regional por intermédio de redes de crédito, abastecimento e transporte de mercadorias.
Portanto, o povoamento da região está ligado mais ao circuito enunciado do que aos grandes empreendimentos bandeirantes para aprisionamento de índios ou unicamente mineração, mas por motivos ligados entre si que configuram uma realidade histórica distinta e complexa vida social e econômica. Havia possibilidades de ascensão, mesmo que fosse por uma vida sedentária. Assim, como existiam homens dispostos ao espírito de aventura, mudando de área através de bandeiras ou por iniciativa própria, levando consigo suas famílias, também existiam homens que fizeram o verdadeiro povoamento do Vale do Paraíba, recebendo sesmarias, cultivando suas roças e criando raízes por via do casamento com seus vizinhos de terra.
Como a título de exemplo referido, o possivelmente paulista Bento Rodrigues Caldeira, que se estabeleceu em terras de Lorena no final do século XVII, quando a dinâmica comercial entre Minas Gerais e o Vale do Paraíba já estava estabelecida por intermédio do comércio para abastecimento, transporte de mercadorias e ouro. Uma breve leitura do seu inventário mostra um reflexo momentâneo da situação econômica naquele período.
Suas famosas “roças”, citadas em alguns documentos, fora possivelmente adquiridas por sesmaria, devido ao seu tamanho, que em termos de área representava o tamanho padrão da doação de terras feitas pelo governo português naquele momento: quinhentas braças de terras, no porto de Pacarê (Guaipacaré), e outras duzentas braças com légua e meia de sertão em lugar não determinado pelo documento.
Ao falecer em 1712, deixando viúva Maria Ribeiro Baião e nove filhos de dois casamentos, sendo seis homens e três mulheres, Bento Rodrigues Caldeira possuía uma situação econômica favorável, mas não exclusivamente pela exploração e uso das terras, mas por outras atividades paralelas. O total dos bens, avaliados pelo Capitão Manuel da Costa Cabral e pelo Capitão Thomé Rodrigues Nogueira do Ó, alcançou o monte bruto de 10:524$360 (dez contos, quinhentos e vinte e quatro mil e trezentos e sessenta reis), quantia considerável para a época, sendo que deste, pouco mais da metade eram dívidas ativas (55%), ou seja, de pessoas que a ele deviam, e o restante, em escravos (3:132$000), gado vacum, roça lavrada, terras e trastes domésticos.
Nas terras possuía um canavial, sem denominação de quantidade, e criava gado (17 cabeças adultas, 8 bezerros e 3 novilhas), cabras (6 cabeças) e porcos (12 cabeças e 2 capados grandes); e plantava, este, avaliado em cem mil réis.
Os escravos, em número de trinta e seis, em certo sentido impressionante por não se conhecer as formas de sua utilização, estavam representados principalmente por pequenos núcleos parentais, ao contrário do que dizia a historiografia a respeito da constituição de famílias na sociedade escravista. Do total, 21 eram mulheres, em parte viúvas ou recém-nascidas e algumas órfãs. Eram negros guiné e carijó, constituídos por marido e mulher, com filhos e sem filhos, avaliados entre 10$000 réis (dez mil réis), no caso uma criança recém-nascida, e 200$000 (duzentos mil réis), homem ou mulher adultos.
Os trastes domésticos que, ao contrário do imaginário histórico prevalecente, denotam a extrema simplicidade que vivia o valeparaibano no inicio dos setecentos: uma casa de palha sem móveis e a ausência de roupas que merecessem avaliação, a exceção de um capote azul usado, avaliado em 6$000 (seis mil réis). Uma casa que parece mais abrigar apetrechos para a produção da pinga, do que local de morada, o que é corroborado pela presença de tachos de cobre, tamboladeira, caldeirinha, machado, exó e um alambique de cinquenta libras. Não se teve notícias de uma casa para os escravos. Com artigo de luxo, somente dois cordões de ouro, com 53 oitavas, avaliados em 64$200 (sessenta e quatro mil e duzentos e réis).
No setor de dívidas ativa é interessante observar que o dinheiro foi marcante como fonte de renda e crédito no período. As dívidas de Bento Rodrigues estavam espalhadas entre trinta indivíduos de localidades diversas, como Taubaté, Guaratinguetá, Rio de Janeiro, São Paulo, Lorena e no Caminho paras as Minas. Embora não exista discriminado o objeto gerador do crédito, por vezes, podia representar todo tipo de transação, agrícola ou comercial, que, em alguns casos, levava anos para saldar, passando aos herdeiros o direito de cobrar, fosse durante o processo de inventário ou posteriormente.
Assim, um estudo serial e com análise mais profunda, principalmente para a segunda metade do século XVIII, traria intermináveis respostas da vivência do homem colonial na região, percebendo que muito do que reproduzimos pode não corresponder com a realidade histórica.
Fonte: Museu Frei Galvão/Arquivo Memória de Guaratinguetá. Inventário de Bento Rodrigues Caldeira, 1712.

Um comentário:

  1. A origem de Piquete-SP tem sido atribuída a um caminho aberto pelo capitão Lázaro Fernandes em torno de 1745, o que resulta em insuperável despautério, quando não, de modo impensado diminuição e apropriação do mérito dos valorosos povos indígenas. Ou seja, o caminho existente é pré-colonial e secularmente utilizado pelos índios, estando nele contido, em trecho compreendido por essa rota, o núcleo embrião de Piquete "habitat natural" de várias tribos. Em definitivo, assim como o suposto caminho aberto por Lazaro Fernandes, as roças de Bento Rodrigues, não foram formadas paraíba a baixo, nem tão pouco na várzea alagada. Seguir por essas roças significava trilhar o caminho da Serra Acima, isto é, o caminho das Cinco Serras Altas de Andre João Antonil, o caminho do Sertão. Piquete, no caminho do ouro, no caminho da História !

    ResponderExcluir