segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Uma mulher Parda e seu Testamento - Século XIX

A renovada historiografia brasileira dos últimos anos tem demonstrado que inúmeras verdades consolidadas não passam do resultado de interpretações pontuais transformadas em leis gerais.
E no universo feminino a regra não foi diferente, embora muita coisa tenha se observado nos últimos tempos.
Retornando aos documentos, os historiadores observaram uma realidade diferente para as mulheres em fins do período colonial e inicio do século XIX. E são aspectos principalmente no universo feminino de negras, pardas, crioulas e índias no Vale do Paraíba.
Notadamente encontramos muitos processos crimes envolvendo alforriados e escravos, o que em dado momento se faz interpretar que aquela camada da população somente tivesse seus direitos vistos aos olhos do dominador, quando haveria de ser pesada a pena, mas a verdade é que se nota um relacionamento social mais estreito e horizontalizado que costumávamos a ver nos livros de história.
Mulheres pardas, crioulas e índias, forras ou não, tiveram, em muitos casos, seus direitos reconhecidos na justiça, principalmente tratando-se do direito de testamento e legado de heranças, no mesmo estilo aplicado aos brancos livres.
Como forma de ilustrar e despertar para o tema, na região do Vale do Paraíba, transcrevemos o óbito e parte de seu testamento de Inácia Maria de Santana, falecida com 50 anos, em 22/10/1839, em Guaratinguetá, natural de São João Del Rey-MG e filha de pais incógnitos.

“Aos vinte e dois de outubro de mil oitocentos e trinta e nove, nesta vila, com todos os sacramentos, de idade de cinquenta anos, ao que parecia, de enfermidade interna, faleceu da vida presente Inácia Maria de Santana, natural da vila de São João Del Rey, Bispado de Mariana, parda, viúva por falecimento de Manuel Antônio de Oliveira Santos, era filha de pais incógnitos, exposta em casa de Gonçalo Garcia e Alves, foi seu corpo envolto em Hábito de São Francisco, por sim ter pedido antes de sua morte e sepultada nesta Matriz, ao pé do altar de Nossa Senhora das Dores e conduzida em caixão, acompanhada por mim e por todos os reverendos sacerdotes e coroinhas que se achavam nesta vila; se lhe cantou na rua cinco mementos e todos os reverendos sacerdotes lhe disseram missa de corpo presente; sua alma foi recomendada. Fez testamento, suas disposições quanto ao pio, são da forma seguinte: Institui por herdeiro necessário a João Nogueira da Cruz. Institui por seus testamenteiros em primeiro lugar a João Nogueira da Cruz, em segundo a Domingos José da Cruz, moradores em a Vila de Baependí, Província de Minas. Declarou que seu corpo fosse envolto com hábito da Senhora das Dores e sepultada em uma das sepulturas da Irmandade Senhora das Dores, se falecesse onde houvesse irmandade da mesma Senhora. Determinou que seu testamenteiro mandasse dizer as missas de corpo presente que pudessem ser, e fizesse o seu funeral a seu arbítrio. Declarou que seu testamenteiro mandasse dizer por sua alma, oito missas. Declarou ser sua vontade que ficasse forra e liberta a sua crioulinha Graciana. Que a crioula Maria fosse aplicada para as disposições do seu funeral. Que o mulatinho Simão e mais crioulinhas ficassem escravos do seu primeiro testamenteiro retro nomeado, durante a sua vida, ficando, outrossim, libertos e forros imediatamente depois do falecimento dele testamenteiro – seu herdeiro. E nada mais se continha quanto ao pio de que para constar mando fazer este assento que assino. O Vigário Colado Manuel da Costa Pinto.”


Imagem: Enterro de uma negra. Jean-Baptiste Debret.

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