quarta-feira, 4 de março de 2015

Gênese da Primitiva Capela de Aparecida

A Igreja de Nossa Senhora Aparecida representa um símbolo perpétuo da essência histórica do Brasil desde os primórdios da colonização portuguesa. Representa as diversas fases do desenvolvimento econômico, social e político do país. E acima de tudo denota a forte influência do catolicismo no modo de pensar e agir da população, com as tonalidades do sacro e do profano convivendo juntos numa dinâmica contínua de transformações. Ela é o microcosmo profundo da história brasileira.  Onde a vida se fez de maneira imperceptível aos olhos dos historiadores e das pessoas comuns. Com conflitos, acomodações, amores, paixões, discórdias e, acima tudo, partilha de inúmeros e diferentes interesses.
Na primeira fase, de origem e construção, ela já nasce representando certa inversão de motivos pelos quais surgiu.  Diferindo das demais e tradicionais capelas espalhadas por todo o país, eretas a partir de um motivo político específico: da criação jurídica e administrativa de vilas e cidades, no qual o templo religioso desempenhava papel fundamental na congregação de pessoas através do exercício e desenvolvimento do espírito cristão. 
Sua construção derivou de um plano místico e sagrado pré-existente, dado pela fé nas crenças e nos ensinamentos da Igreja Romana estabelecida no Brasil. E disseminada por agentes coloniais portugueses com intuito de evangelizar e catequizar a população branca pobre, indígena e negra, dentro dos preceitos preconizados pelo Concílio de Trento. Alimentado pela forte devoção nos santos e na Santíssima Trindade. E, sobretudo pelo encontro de uma imagem (1717) atribuída como sendo da Virgem Maria, Mãe de Deus, Nossa Senhora. Semelhante a tantos outros ícones existentes na tradição artística nacional (terracota), em suas diversas designações (Nossa Senhora do Bom Sucesso, Nossa Senhora da Conceição e outras).
Dá-se a partir do encontro da imagem no fundo do rio e depois o seu resgate inusitado, e daí o milagre que se constituiu: a pesca abundante de peixes, num ambiente colonial caracterizado por extrema pobreza. E posteriormente pela devoção cada vez maior diante de outros milagres acontecidos. Obrigando as autoridades civis e eclesiásticas a constituir orago e altar próprios, sem embora constituir em núcleo populacional independente da vila de Guaratinguetá, no qual o território estava incluído as terras doadas para a edificação no final da metade do século XVIII. 
E sua importância, nesse período, se concretiza pelo aspecto religioso do sacrifício e da glorificação dos fiéis peregrinos por sua localização no alto do morro, visível e alcançável. Em cujo cume o homem comum e sofrido estava em plena comunhão com a “Corte do Céu” e com seus santos e anjos. Alcançando graças, pagando promessas e renovando sua crença na ajuda por uma vida melhor.
Bem como na semelhança que traz com tantas outras histórias capelas.  No florescimento de um núcleo urbano rarefeito, em cujo entorno surgiram construções irradiadoras de povoamento e constituição de outros bairros. Desempenhando um papel de estruturação das relações social, econômico e político, refletidas nos séculos seguintes com a simbiose entre o sacro e o profano para dela se retirar proveito pela via da fé pura e simplista. 
No decorrer dos outros séculos, a situação mantêm-se em parte, mas tornar-se uma realidade bem mais do que religiosa.
Houve o interesse da partilha econômica que o fenômeno religioso e a peregrinação dos fiéis trouxeram para o entorno e para as áreas situadas nas rotas de acesso ao templo.
Com a doação do patrimônio para a constituição das “terras da Santa”, principalmente por Margarida Nunes Rangel (morro dos Coqueiros e ruas Monte Carmelo e Oliveira Braga) e Lourenço de Sá (nas cercanias da atual Rua Barão do Rio Branco) grande parte foi arrendada por pequenos sitiantes e agricultores, mediante pagamentos dos foros (aluguel), procedimento que durou por mais de cem anos.
Nesses locais foram construídas casas de residência, pensões, casas de comércio, principalmente no grande praça fronteira, o que movimentou certo comércio incipiente no local para atender o número cada vez maior de fiéis, principalmente na Estrada Geral para São Paulo, que foi rota de tropas, de viajantes e migrantes para outras partes do país. E isso gerou choque de interesses entre a igreja, os aforados e proprietários de terras limítrofes nas intenções de exploração. Sendo inúmeros os casos de briga e inimizades.
Afora os interesses políticos intervindo na administração dos bens da capela, entre o público e o privado, graças, notadamente ao regime do Padroado instaurado no país ainda no período colonial, quando não havia a separação entre a Igreja e o Estado no que toca a administração.
E muito tempo depois outros conflitos entre os seculares, os civis, e a Congregação Redentorista, que via na administração algo de suspeito e não muito bem conduzido.
Mas isto é outra matéria a respeito das influências da capela e igreja no morro das Pitas e no seu entorno em toda a história.

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