A formação histórica dos núcleos
urbanos no Vale do Paraíba foi resultado de dois pontos importantes, os quais
foram: em primeiro, o processo de ocupação do território pela necessidade da
busca de mão de obra indígena e pedras preciosas, acompanhando a lógica do
povoamento do território paulista desde São Vicente, seguindo as picadas e
velhos caminhos indígenas serra acima até chegar a São Paulo e dali rumo ao
Vale do Paraíba. E, em segundo, a fundação
de três importantes vilas no século XVII: Taubaté, Pindamonhangaba e
Guaratinguetá. Todas três com extenso território administrativo e judicial.
Principalmente a vila de Guaratinguetá, cujos limites estendiam-se até as
divisas com a Capitania do Rio de Janeiro, no Rio Piraí, Parati (no alto da
serra da Bocaína) e Minas Gerais, na divisa com a vila de Baependí. Ambos possibilitaram, dentro desta realidade,
o povoamento do que hoje é considerado o Vale do Paraíba Paulista. Ou seja, a
ocupação sedentária de terras devolutas em zonas de fronteira agrícolas, em
direção ao Rio de Janeiro e Minas Gerais, por famílias de migrantes saídos das
Vilas de São Paulo, Mogi das Cruzes e cercanias. Assim como de imigrantes
portugueses, principalmente a partir da primeira metade do século XVIII,
agilizada pela abertura de um Caminho Novo para o Rio de Janeiro. Num longo
processo de assentamento do homem na terra pelo único meio possível: a posse
legal ou não de terras, a exploração da agricultura, para a maioria, e o
comércio, para os poucos que já possuíam algum pecúlio e fazer considerável
fortuna. O que criou já na segunda metade do mesmo século a necessidade, por
parte do governo e da população, do desmembramento desses enormes territórios
cada vez mais povoados. Constituindo-se num padrão para toda a região, o qual
seria a exigência de certas áreas terem um governo municipal próprio por
iniciativa da população (por abaixo assinados e plebiscitos) e acatamento nem sempre
imediato dos pedidos.
Dessa forma, a vila de
Guaratinguetá foi perdendo gradativamente o seu imenso território com a criação
de novas vilas e cidades. O que ocorreu até a segunda metade do século XX, com
a emancipação de alguns municípios, dentre eles a cidade de Roseira, em 1965,
cuja história, pré-emancipação, sempre foi reconhecida como da vila de
Guaratinguetá. O que causa a ilusão de que o município nunca teve uma história
anterior a ser resgatada.
No entanto, o município de
Roseira é um velho território de povoamento, com uma história importante na formação
social, econômica e política do Vale do Paraíba. Um pioneiro no povoamento das
terras das Garças Brancas. Em linhas gerais, uma velha senhora jovem.
Ainda no final do século XVII, ocorrem
os primeiros assentamentos imóveis em terras do município, em continuidade ao
processo de ocupação de terras devolutas a partir e próximos da vila de
Pindamonhangaba, em direção a Guaratinguetá, principalmente na margem direita
do Rio Paraíba, acompanhando o antigo caminho São Paulo para o Rio de Janeiro, e
a encosta da Serra do Quebra Cangalhas. Na
rota da antiga Roseira Velha e do outro lado do morro, no atual Bairro do
Bonfim, região do Ribeirão dos Motas, onde existiram terras férteis, propícias
para a agricultura e com ligação comercial direta com o Caminho Velho[i]
para Parati, principal porto para escoamento de mercadorias.
As primeiras posses legais de terras,
chamadas de sesmarias[ii], solicitadas
por pessoas com famílias e doadas pelo governo da Capitania de São Paulo
(antigo designação do Estado), ocorreram, algumas delas, ainda no final do
século XVII e começo do seguinte. Embora não se tenha data exata, apenas por
informações esparsas indicando nomes que até ainda permanecem.
Das mais antigas, foram as terras
ao longo dos Ribeirão dos Motas, próximo das encostas da Serra do Quebra
Cangalhas (Bonfim), cuja nominação provem de um antigo costume cultural de
identificar o bairro com o sobrenome da família que no local estabeleceu
remotamente, como uma espécie de identificador social. Na localidade assentaram agricultura alguns filhos
de Gonçalo da Mota Bitencourt e de Catarina Páscoa de Oliveira, naturais da
Ilha de São Sebastião, cujos nomes eram: Salvador da Mota de Oliveira, casado
com Maria do Rêgo Barbosa, e Pedro da Mota Pais, casado com Margarida Bicudo.
Deixando imensa prole, com descendência até os dias atuais. E assim também o
nome do bairro, que acabou por abranger um longo trecho até desaguar no Rio
Paraíba. Bem como os descendentes de Francisco Borges Rodrigues e Miguel de
Goés, todos do final do século XVIII, quando ainda o Vale do Paraíba passava
por uma pobreza extrema, obrigando o homem assentar-se na terra, como uma das
únicas opções de sobrevivência. E o mineiro, Capitão Luiz Dias de Almeida,
proprietário de légua e meia de terras de testada na parte superior do Ribeirão
dos Motas, na paragem chamada Cachoeira do Mato Dentro, comprada de outros mais
antigos moradores anônimos: João Siqueira, Salvador Duarte, Rita Pais e Manuel
Rodrigues da Fonseca.
O bairro, nesse trecho, foi um
dos que mais prosperam em termos econômicos para a Vila de Guaratinguetá,
principalmente no auge da produção do café na primeira e segunda metade do
século XIX, com pequenas e médias propriedades, resultado dos diversos
desmembramentos das sesmarias da família Mota Pais, por herança e por venda.
Era a região com o maior número de propriedades agrícolas em 1856, segundo o
Registro Paroquial de Terras[iii].
Tanto que já no final do período áureo do café e mesmo posteriormente,
registra-se no Bairro do Bonfim grande prosperidade, com a presença de pequeno
centro comercial para atender os moradores da cercania. E uma capela para as
atividades religiosas e sociais da comunidade.
No período entre 1765 e 1836, segundo
o Recenseamento das Ordenanças, a população local estava constituída de brancos
e grande percentual de negros e mulatos, escravos e alforriados, trabalhando
com a cana de açúcar e depois o café, também em pequenos sítios que além da
agricultura para a exportação, eram voltados para a cultura de subsistência das
famílias ou para o comércio de venda dos excedentes, entre os vários vizinhos e
proprietários. Militarmente, no começo
do século XIX, pertencia parte para a 2ª Companhia (Aparecida), e outra para a
4ª Companhia das Ordenanças (Motas) da Vila de Guaratinguetá[iv].
Ali, nas décadas de 1840-1860 formaram-se importantes propriedades: A Fazenda Santana
do Morro Alto, pertencente ao Major da Guarda Nacional[v], Bento
Antônio de Campos, assassinado pelos seus escravos, em 1879, assim como o pai,
em 1828, no município de Cunha. Ambos senhores de grande plantel de escravos,
cuja má índole foi famosa em toda a região. A fazenda da Conceição, até hoje existente. A
Santa Leopoldina, de propriedade do Barão de Taubaté. E a fazenda de José dos
Santos Oliveira Velho, também assassinado em tocaia por questão de briga
judicial de terras, no qual episódio foi mandante outro rico fazendeiro da
localidade, Manuel José Bitencourt. Ambos sepultados no Cemitério Senhor dos
Passos, em Guaratinguetá.
Já no percurso da antiga Estrada
Real, percorrida pelos Imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, respectivamente
em 1822, e na segunda metade do século XIX, nas encostas dos morros, na parte
acima da dita estrada, inúmeras propriedades se formaram da mesma maneira,
dando origem também ao antigo povoado de Roseira Velha, núcleo principal da
comunidade até a metade do século seguinte.
Entre as importantes fazendas
existem os exemplos, ao longo da estrada: A fazenda das Taipas, no também
chamado bairro de Pirapitingui, que pertenceu ao Capitão Manuel Pereira de
Barros e sua esposa, Francisca da Cunha Bueno, pais do Major Vitoriano Pereira
de Barros, grande benfeitor de Roseira, que nas mesmas terras recebeu o Conde
D’Eu, com uma história curiosa sobre o comportamento social dos fazendeiros na
época. A fazenda Roseira, de propriedade de Máximo Monteiro dos Santos, casado
com Benedita Francisca dos Santos. Nela a terra era cuidada pelo serviço de 21
escravos. A Fazenda Boa Vista pertencente a João Galvão de França e sua mulher,
Dona Gertrudes Guimarães França, da mesma família da fazenda do Morro Vermelho,
na entrada de Guaratinguetá, cuja sede, durante muitos anos, esteve em posse do
saudoso Professor José Luiz Pasin e hoje abriga a Faculdade de Roseira –
Faro. E, por último, a Fazenda Veloso,
de propriedade de Antônio Jacinto Guimarães e sua esposa, Dona Francisca
Lescura França Guimarães.
Semelhante progresso econômico ocorreu
nas imediações próximas do Rio Paraíba, atual Bairro de Pedro Lemes, limítrofe
ao bairro do Itaguaçú, em Aparecida, cujo terreno fora fértil para o plantio do
arroz. Ali recebeu, por volta da década de 1730, uma grande sesmaria o Capitão
Amaro Lobo de Oliveira, residente na vila de Jacareí, que deixou grande
descendência em Aparecida e em Guaratinguetá. Nela produzia seu sustento e
tinha um engenho de cana para fabrico do açúcar e de aguardente.
Foram, portanto, por razão dessas
propriedades, pioneiras glebas de terras, povoadas no século XVII e XVIII, que
surgiu o município de Roseira, que se pode seguramente dizer que foi baluarte
na manutenção do desenvolvimento da região de Guaratinguetá.
REFERÊNCIAS
Bibliografia
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sesmarias
– 1720-1736. São Paulo/Edição do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1937.
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes
de. Os
Galvão de França no Povoamento de Santo Antônio de Guaratinguetá. 3. ed. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1993.
SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA. Repertório
de Sesmarias. São Paulo, 1994. Ed.
fac-similar.
Fontes Primárias
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Recenseamento das Ordenanças de Guaratinguetá – 1765-1836.
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Registro de Terras de Guaratinguetá – 1856.
MUSEU FREI GALVÃO/ARQUIVO
JUDICIÁRIO. Inventários e Testamentos do 1º Ofício de Guaratinguetá – 1710-1962.
Imagem: Roseira Velha - Desenho de Tom Maia.
Imagem: Roseira Velha - Desenho de Tom Maia.
[i]
Designação da antiga rota de Guaratinguetá para Parati, passando pela Vila de
Cunha. Muita utilizada durante o período do ouro nas Minas Gerais. Daquela
cidade portuária o ouro era transportado em navios para o Rio de Janeiro, e daí
para Portugal. Foi, aos poucos, perdendo sua importância econômica com a
abertura do Caminho Novo (antigo traçado de parte da Rodovia Rio-São Paulo,
passando pelas cidades históricas do Vale do Paraíba).
[ii]
Sesmarias eram porções de terras de tamanho variado, geralmente de meia légua
de testada e uma de fundos, doadas pelo governo da Capitania de São Paulo para
famílias que tinham pretensões de estabelecer benfeitorias e nela fazer
produzir economicamente. Na maioria das vezes, eram solicitadas pelos
interessados com possibilidade mínima de mantê-las produtivas. Ou compradas a
outros e confirmadas por documento expedido pelo mesmo governo. Tendo o prazo
de dois anos para medir e demarcar, com prejuízo de perder em caso de omissão.
[iii]
Série documental existente por força da Lei de Terras promulgada em 1850, para
que todos os proprietários pudessem declarar e legitimar a posse de suas
terras. Era lavrada, em cada vila, pelo vigário da paróquia. Tornou-se documento
comprobatório de terras utilizado até os dias atuais. Possui informações sobre
tamanho da propriedade, tipo de aquisição, antigos proprietários e divisas.
[iv]
As Companhias das Ordenanças (soldados) foram criadas em 1765, pelo Governador
da Capitania de São Paulo, Morgado de Mateus, com o objetivo de recensear a
população para fins de convocação militar de defesa do território e existiram
até 1836. Cada companhia, geralmente representava um ou mais bairros da
vila. E com o passar dos anos passou a
ter função exclusivamente econômica, trazendo inúmeras informações de cunho
social, econômico, político e demográfico. As famílias eram recenseadas por
fógos (domicílios), designando suas funções e sua produtividade a cada ano.
[v]
Corporação militar criada em 1831, substituindo as Ordenanças, cujas funções
variaram de acordo com o tempo, originalmente como corpo policial de defesa.
Com o decorrer dos anos tornou-se símbolo de poder e mandonismo político,
principalmente durante o Segundo Reinado. Das suas fileiras é que se originaram
os antigos coronéis da política, com seus redutos eleitorais. Até pouco mais de
meio século ainda existentes.
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