segunda-feira, 2 de abril de 2012

Profissões Mecânicas e Estratégia de Inserção Social no Brasil Colônia

Algumas profissões do passado tiveram sua importância, além do propósito estritamente financeiro, se considerar o contexto social mais amplo pela via das redes de sociabilidade existentes na sociedade colonial Brasileira.
A afirmação, a principio, origina-se da observação empírica durante inúmeras pesquisas em textos documentais do final do século XVIII e da primeira metade do XIX, a exemplo paradigma indiciário; o que suscita alguns comentários.
Na convivência diária de homens e mulheres da colônia existia um complexo sistema de redes de relacionamento e que transcendia a mera troca de favores e dependência social, política e econômica e que definia estratégias de sobrevivência dentro daquela sociedade marcada principalmente pela preocupação de manter, em escala macro, as diferenças entre os estratos sociais. E dessa forma os signos que permeavam as relações sociais ainda estão longe de serem compreendidos com maior profundidade.
O que se vê, pelos rastros e definições de parentesco, profissão e depoimentos nos processos cíveis, é que existia uma reciprocidade maior, que em alguns casos indica a inexistência da rigidez que a historiografia apurou haver entre os níveis sociais de relacionamento, e que solidificou a ideia de uma pirâmide social estanque, posto em evidência existir somente o binômio senhor e escravo sem levar em consideração uma maioria populacional que interagia de diversas formas na complexa sociedade colonial.
As fontes documentais indicam, pelo menos em grau de percepção, terem existido inúmeras estratégias, muitas delas pontuais, dependendo da natureza de cada conflito levado a juízo, o que insidia principalmente em tomadas de posturas entre grupos parentais, diferentemente da lógica de defesa de grupos familiares com consangüinidade mais evidente.
Nesse sentido, não haveria apenas uma mera proteção ou relacionamento passional e profissional estritos, notoriamente no que se refere às camadas pobres e sua simbiose com grupos que exerciam cargos da governança militar e administrativa.
O jogo de interesses entre as partes caracterizava-se pela via de mão dupla, dependendo de cada caso em menor ou maior grau na troca de privilégios. Porque, embora pudesse haver ascendência do grupo minoritário privilegiado sobre a maioria, não significava que não houvesse mínimas estratégias do minoritário ter à sua disposição elementos para manipular e garantir a necessária sobrevivência á guisa dos grupos mais abastados no poder, principalmente nas situações de conflitos entre homens do mesmo grupo, onde entrava em cena homens de pouca importância econômica, com a intenção de defender interesses daqueles que lhes serviriam de garantia no futuro, mesmo que significasse incorrer em erros ou dar falso testemunho sob juramento dos evangelhos.
E nesse aparente perfil indiciário, a estratégia da informação parece ter um significado e sentido mais amplo no bojo da convivência mutua entre os níveis de relacionamento, tornando-se, por assim dizer, em elemento privilegiado de controle social para sobrevivência e as profissões chamadas “mecânicas” seriam emblemáticas nesse contexto.
As designadas profissões mecânicas eram as exercidas pela camada pobre da comunidade, como o carpinteiro, o serralheiro, o ferreiro, o taberneiro, o seleiro, o arreador, entre outros. E suas atribuições públicas, ou seja, o trabalho que oferecia a outros, lhes davam a oportunidade do contato com as mais diferentes pessoas e, portanto, obter informações detalhadas, diversificadas e privilegiadas dos acontecimentos, mesmo que público e notório fosse. O local de trabalho dessas personagens obscuras seria ponto privilegiado de encontro social e político durante o século XVIII e XIX, a exemplo das farmácias e das missas nos finais de semana no inicio do século XX em várias cidades pelo interior do país.
O elemento confiança nesse sentido seria negociado em forma de troca de favores. O profissional mecânico teria sua recompensa e, por sua vez, os outros elementos poderiam contar com informações necessárias para vigiar, controlar e criar situações convenientes para cada situação. Mesmo que para o grupo de profissionais mecânicos não houvesse economicamente única e exclusiva dependência em relação aos grupos minoritários, pois o tipo de trabalho por eles exercido era estritamente indispensável a todos, embora os parcos ganhos ou mesmo a sua vinculação ao proprietário de rancho de tropas e tendas de ferraria, dos quais recebiam pelo trabalho.
A importância desses profissionais, além da utilidade pública, estaria no predomínio e no privilégio da informação, à qual era obtida na convivência do cotidiano através dos diálogos e contatos com grande parte da população, que lhe proporcionava conhecimento da vida de todos os moradores, com acesso à vida privada, as intrigas pessoais e familiares, os amores, a vida e a morte.
Em grande parte das contendas transformadas em processos judiciais vêem-se depoimentos de testemunhas, em parte oriundas desse círculo de profissionais de baixa renda. E a conclusão que preliminarmente se chega é que nesses termos o conhecimento adquirido no cotidiano por esses profissionais se traduzia, também, em forma de reconhecimento social, como detentor de “segredos de confessionário”. Informações essas que poderiam configurar em troca e negociação, até mesmo por motivos de suborno pelo controle social e poder, mas que não assegurava ao grupo minoritário ascensão social e privilégios sejam por intermédio de cargos militares e públicos ou por casamentos com as famílias importantes.
Naturalmente, que para se conhecer melhor como se davam tais relações é necessário um estudo sério de casos, avaliando cada contenda, o que as várias testemunhas disseram sobre fatos ocorridos, se houve coação, falsas declarações, entre outras variáveis.
Um indicio para pesquisa, utilizando os processos cíveis como fonte privilegiada e inédita.

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