domingo, 11 de setembro de 2016

Maria Augusta e a lenda urbana "A loira do Banheiro"

Maria Augusta de Oliveira Borges
A loira do banheiro é talvez a lenda urbana de maior alcance social no imaginário atual do povo, mesmo com todo o pragmatismo originário dos meios de comunicação e da tecnologia. O que demonstra a força da oralidade e da memória na perpetuação de lendas e estórias, colocando em evidência as diversidades da história, ao indiciar verdades esquecidas e que fazem pensar em modos de vida ainda esquecidos pela história. Tais lendas e estórias muitas vezes estão associadas com outras estórias e histórias, mescladas e adaptadas sazonalmente de acordo com variadas características locais. Mas ela não é originária da história de Maria Augusta de Oliveira Borges, a filha do Visconde de Guaratinguetá.
A matriz informativa dessa lenda urbana repousa em ideiais de pavor e de medo diante da vida e da morte, de influência religiosa, alimentada pela religiosidade popular nos decorrer dos últimos séculos, como permanência perniciosa nos quadros de uma adaptação e assimilação pela modernidade.  A ideia de que uma mulher desencarnada e atormentada por uma vida atribulada permanecesse entre os seres humanos a suplicar por algo incompreensível, tornando-se visivel aos olhos incautos das pessoas, principalmente nos banheiros. 

Tal ideia, em certa constância, e em diversas regiões do país, além do exposto, sofreu processo híbrido com fatos transmitidos pela oralidade em lugares de memória específicos, representantes de uma época pontual, cujo lócus privilegiado perpassa pela perpetuação da questão do genêro em dado momento de uma sociedade, qual seja o discutível papel da mulher e sua tomada de posição diante de visões consolidadas pelas sucessivas heranças dos modos de viver e vivenciar o cotidiano. A grosso modo, foi adaptada e compreendida com costumes locais pré-existentes, passados por gerações, sofrendo transformações no seu transcurso temporal até chegar ao formato que se apresenta na atualidade.

Em Guaratinguetá, tal associação e dialética encontrou respaldo, notadamente, numa figura feminina expressiva localmente, personificadora de um segmento específico da sociedade imperial do rico período do café, quase na transição  econômica e social de substituição do escravismo e de maior imposição da mulher em confronto com os modelos comportamentais vigentes nos quadros explicativos de uma minoria  familiar  brasileira,   onde o cabeça de casal era o homem e a partir dele emanava decisões multiaplicáveis nos aspectos regentes dos membros de sua prole, ou qual seja, o destino de suas vidas. Prática, esta, recorrente e que recaía, sobretudo, na mulher, moldando a revelia, por muitas vezes e em muitos aspectos, sua maneira de agir, ora em submissão, ora em rebeldia, consequente de sofrimentos e sequelas permanentes, fosse um bem ou um mau, transcendendo para pós-morte. Como sempre foi visto, perpetuado e transmitido pela sabedoria popular como meio eficaz de modelo de punição para as regras societárias que ainda nos chegam após gerações do ocorrido. 

Desse modo, são percebidas características próprias entre memória local e a lenda urbana, sendo a última de bases modernas e a primeira de um passado já distante, embora ainda viva pela oralidade, principalmente por fomento das gerações nascidas na primeira metade do século XX. Cujo foco é ter uma moral como pano de fundo, com todos os elementos essenciais para a sua constituição e sedimentação. Embora, ao contrário, possa servir a diversos propósitos, para, em muitos casos, justificar algo além da moralidade .
A função da memória, porém, nesse caso, em face da lenda, é dar legitimidade para verdades sobejamente enraízadas na sociedade brasileira, entre outras premissas, acerca do medo, do controle de ideias, etc. Além de trazer em seu bojo as semelhanças para consubstanciar a lenda, embora sem considerar que a memória local de Guaratinguetá tenha originado a lenda da loira do banheiro, mas sim lhe serviu de sustentáculo para a sua perenidade pelo regime hibrido e sua consequente adaptação, omo é o caso de Maria Augusta de Oliveira  Borges no imaginário da população. Um arquétipo de vida, morte e permanência espiritual, que é modelo, que é história que possui moral e que demarca território bem definido a partir de um espaço físico constítuido em lugar de memória: o palacete e a escola. Na simbiose entre o privado e o público; entre o espiritual e a materialidade, fruto da eterna aliança, agonia e extâse  do homem com entidades superiores, além da compreensão racionalista, metafísica, fenomenológica ou existencialista. A história fartamente documentada, falada, assimilada e tornada verdadeira, em verdade incontestável, assim como é a ciência histórica, um gigante com os pés de barro.

Maria Augusta de Oliveira, era uma das filhas do Visconde de Guaratinguetá, comerciante, cafeicultor e grande proprietário de terras no município, cujas origens humildes foram marcas permeadas da rusticidade, por herança de memórias de vida colonial, transfiguradas em práticas e condutas tomadas de verdade, onde as ações levariam a cabo a vida de sua filha.  Cuja sorte, segunda entendimento popular, não foi das melhores. Que em  vida esteve  ligada ao palacete do Visconde de Guaratinguetá (imagem ao lado) e nas inúmeras fazenda que ele possuía por toda a região. E posteriormente ao edificio substituto do palacete, onde funcionou primeiro a Escola Normal, e na atualidade, desde 1919, o antigo Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves (EE Conselheiro Rodrigues Alves). 

3 comentários:

  1. Parabéns Mestre Joaquim Roberto Fagundes, mais uma vez contribuiu de forma significativa para a nossa História Regional.Belíssima apreciação sobre a filha do Visconde. Forte Abraço.

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    1. Obrigado querida pupila, pelo sempre apoio, que sempre será inesquecível. Com o imenso carinho de sempre. Estamos juntos.
      Beijos.

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  2. Olá! Bom dia. Poderia me dizer quem é a pessoa responsável pela foto de Maria Augusta usada nesse artigo?

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