quinta-feira, 28 de abril de 2011

Livros na Biblioteca do Padre

A leitura era atividade inacessível nos tempos do Brasil Colônia, principalmente pelo escasso acesso para a maior parte da população e da ausência de tipografias e autores. No período, o estudo estava estritamente vinculado ao campo da religião, àqueles que ingressavam nos seminário. A maioria aprendia o essencial, as chamadas primeiras letras; o suficiente para assinar o nome.
Nesse quadro, a exceção eram os sacerdotes, seculares ou não, formados em alguns poucos seminários existentes no Brasil.
As famílias com cabedais suficientes mandavam o filho para a formação religiosa, sinônimo de prestígio social e econômico.
No seminário, o candidato a sacerdote estudava as matérias clássicas do período, de caráter humanista, como a teologia, a filosofia, o latim, etc, tomando contato com obras essencialmente portuguesas e autores franceses.
Após a formação e aprovação de “sangue puro”, o sacerdote vinha geralmente para a paróquia de nascimento, exercendo funções pastorais e ensino de primeiras letras e catequese, pelas quais acabava por formar pequenas bibliotecas pessoais, cujos títulos estavam, na maioria, ligados à catequização e à orientação espiritual. Portanto, instrumentos necessários para o bom desempenho de suas funções perante a uma população iletrada, em consonância com as regras impostas pelo Concílio Tridentino e pelo pensamento de época.
Em Guaratinguetá, entre o final do século XVIII e a primeira metade do século seguinte, encontravam-se diversos clérigos estabelecidos na paróquia, exercendo atividades na matriz e na igreja de Nossa Senhora Aparecida, no bairro da Capela (atual município de Aparecida). Alguns, além do estrito serviço pastoral exerciam o ensino de meninos, dando-lhes alfabetização e, sobretudo, uma iniciação religiosa através do catecismo.
Entre eles, o Padre Manuel Gonçalves da Silva Franco, natural de Guaratinguetá, filho do Licenciado Manuel Gonçalves Franco, nascido em Guaratinguetá por volta de 1742, e de Ana Rosa da Silva Ramos, da família Correia Leite (1); falecido em 1827, deixando bens a inventariar; entre eles, uma pequena biblioteca com 74 títulos, dos quais aparecem:

Nomenclatura Portuguesa e Latina das Coisas Mais Comuns e Visíveis
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1762, em Lisboa, nas Oficinas de Miguel Rodrigues. O autor nasceu na Alemanha em 1704 e foi presbítero secular e Capelão da Capela de São Bartolomeu, na Paróquia de São Julião, na cidade de Lisboa. Publicou mais duas obras sobre gramática latina e holandesa.

Breviários
Livro que reúne os ofícios que os sacerdotes católicos rezam diariamente.

Compendio da Teologia Moral Evangélica, para formar dignos ministros do sacramento da penitência e espirituais diretores.
Publicado em Lisboa, pela Regia Oficina Tipográfica. Datada entre 1797-1802.

Confissões de Santo Agostinho
O mais conhecido entre os livros religiosos, fundamental no período.

Responso da Semana Santa
Conjunto de palavras pronunciadas ou cantadas nos ofícios da Igreja católica, alternadamente por uma ou mais vozes, de uma parte, e pelo coro, como representante da assistência, de outra parte; oração que se dirige a santo Antônio, para recuperar objetos desaparecidos.

Nomenclatura portuguesa, e latina das coisas mais comuns, e visíveis: com hum pequeno vocabulário de verbos portugueses, e latinos e um Tratado das partículas da língua portuguesa com as suas versões latinas
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1793 em Lisboa, nas Oficinas de António Rodrigues Galhardo, Impressor da Sereníssima Casa do Infantado, sob licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros

Recreação filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não freqüentarão as aulas
No inventário vem designado apenas como Recreação Filosófica. Obra de autoria do Padre Theodoro d'Almeida. Apareceu em Quinta Impressão muito mais correta que as precedentes, publicadas em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, entre na década de 1750 e nos anos de 1786-1800. Não sabemos se o Padre teria toda a coleção.
O Padre Teodoro de Almeida foi sócio fundador da Academia Real das Ciências de Lisboa, onde nasceu a 7 de Janeiro de 1722, e morreu a 18 de Abril de 1804. Viveu na França entre os anos de 1767 e 1778

Secretário Português ou método de escrever cartas
Da autoria do Padre Francisco Jozé Freire e publicado em Lisboa em diversas edições, sendo a de 1815 publicado pela Tipografia Rolandiana. Ver p. 404 v. 1.
Oratoriano (n. Lisboa 1719-m. Mafra, 1773), foi um dos principais animadores do movimento estético-literário da Arcádia (onde adotou o nome de Cândido Lusitano) e, como tal, figura proeminente no âmbito das ideias estéticas em Portugal, na sua vertente literária, ligada à poética e à retórica. Com efeito, pode justamente considerar-se a sua Arte Poética como o código estético dos «árcades». Defensor acérrimo da Antiguidade (Aristóteles, Cícero, Horácio e Quintiliano), elaborou uma vasta obra de divulgação do pensamento estético-literário dos clássicos. Aí poderemos encontrar a defesa de uma concepção da poesia como imitação da natureza, na esteira da Poética de Aristóteles, a teorização também aristotélica do verossímil, o problema das relações entre o útil e o deleitável, a arte, a natureza e o exercício e, ainda, sob marcante influência de Muratori e Luzán, a reflexão em torno das relações entre a fantasia e o entendimento, na elaboração da obra poética

Arte de gramática latina, para instrução da mocidade portuguesa
Aparece no inventário como Arte Latina de Antônio Pereira, de autoria de António Pereira Xavier reformada e acrescentada, em edição da Oficina de Simão Thaddeo Ferreira, de 1784, em Lisboa.
O autor era mestre em Artes e Professor de Gramática em Lisboa e segundo o Dicionário Bibliográfico Português, obra que foi esquecida, encontrando-se poucos exemplares em Portugal. Portanto, livro raro na biblioteca do padre.

Explicação da Sintaxe
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.


Figuras de Sintaxe Latinas explicadas e ilustradas segundo os princípios de Linacro, Sanches, Vossio e Perizonio
Nominado como figuras de sintaxe no inventário, sendo de autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo. Acreditamos ser o exemplar constante dos bens do padre a edição de 1813 pela Universidade de Coimbra.

A morte de Abel: poema épico em cinco cantos
Tem como autor Salomon Gessner (1730-1778) e tradução pelo Padre José Amaro da Silva. Uma das edições foi publicada pela oficina Rollandiana, em 1818, na cidade de Lisboa.

Exame de Sintaxe e reflexões sobre suas regras
De autoria do português Manuel Coelho de Sousa, sargento-mor dos Privilegiados da Corte e Cavaleiro da Ordem de Cristo; nascido em 1736. A primeira edição é de 1729, mas não há referência no inventário da data de publicação da obra, dividia em três partes referentes ao estudo do verbo intransitivo e transitivo.

O Santo Exercício da Presença de Deus
No inventário intitulado apenas Exercício Santo por Vauber, podendo ser a edição de 1784, publicado em Lisboa pela Oficina de Simão Thadeu Ferreira, dividido em três partes, do autor francês Vaubert.

Escola de política ou tratado pratico da civilidade portuguesa
Nominado no inventário como Escola Política, de autoria de Dom João de Nossa Senhora da Porta Siqueira (ou Sequeira) publicado em Lisboa pela Tipografia Lacerdina, em 1814. Várias vezes reimpressas, sendo a 4.ª edição em 1803.
Foi Cônego regrante da ordem de Santo Agostinho, falecido em 16 de Janeiro de 1797. Nos seus últimos anos de vida empregou-se no ensino, e em publicar algumas obras, na maior parte traduções. Escreveu: Breve instrução do amor de Deus traduzido do francês, Porto, 1787; Escola dos bons costumes, ou reflexões morais e históricas, etc. por Mr. Blanchard, traduzida em português, Porto, 1789; 4 tomos; Incêndios de amor, ou elevações e transportes da alma, na presença de Jesus Cristo e de suas imagens, etc., Porto, 1791; Voz de Je­sus Cristo pela boca dos párocos e dos pais de família, intimada aos seus fregueses e filhos nos domingos e festas do ano, Porto, 1791; 2 tornos; outra edição em Lisboa, 1815; Voz evangélica de um pároco aos seus fregueses, ou nova coleção de praticas para todos os domingos do ano, 3.ª edição, Lisboa, 1817, 2 tornos.

Tesouro carmelitano manifesto, e oferecido aos Irmãos, e Irmãos da Venerável Ordem Terceira da Rainha dos Anjos, Mãe de Deus, Senhora do Carmo
Designado no documento como Tesouro Carmelitano, que acreditamos de autoria do Frei Jose de Jesus Maria, publicado em Lisboa, pela Oficina de Miguel Manescal da Costa (1660-1727), em 1763.

Viridarium
Em dois volumes: poderia uma obra sobre plantio vegetal ou estudos elementares de Botânica; ou pode ser poesia sacra e profana.

Compêndio das épocas e sucessos mais ilustres da história geral
Designado com Compêndio das Épocas, de autoria de António Pereira de Figueiredo (1725-1797). Publicado em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, em 1782.

Instrução de cerimônias em que se expõe o modo de celebrar o sacrifício da missa
Nominado no inventário como Instrução de Cerimônias. Teve edição publicada em Lisboa, pela Imprensa Régia, em 1826.

Tesouro de meninos: resumo de Historia Natural, para uso da mocidade de ambos os sexos e instrução das pessoas, que desejam ter noções da Historia dos três Reinos da Natureza
Também designado no inventário do Padre como Tesouro de Meninos, de autoria de Blanchard e com tradução de Matheus José da Costa, em seis volumes. Publicado pela Impressão Regia de Lisboa entre 1814-1824.

Sintaxe de Dante
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.

Macarronea
Conhecidos com poemas macarrônicos, livros de poesias produzidos no final da primeira metade do século XVIII em Portugal, de escrita confusa, misturando língua portuguesa, latim e outras línguas. Bem populares entre os universitários de Coimbra desde 1746 por se caracterizar por sátiras sobre a vida universitária.

Coleção de Palavras Familiares, assim como portuguesas ou Latinas, para o uso das escolas da Congregação do Oratório
Obra que aparece designada no inventário na forma reduzida (Coleção de Palavras Similares). De autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo, da Congregação do Oratório, na cidade de Lisboa. Foi considerado um dos maiores latinistas da Europa no seu tempo, tendo exercido cargos políticos em Portugal, onde nasceu em 1725. É possível que a edição constante na biblioteca particular do padre fosse a impressa em 1821 pela Imprensa Regional de Lisboa.

Preceitos de Retórica
Preceitos de retórica tirados de Aristóteles, Cícero e Quintiliano é da autoria de Jean Baptiste Louis Crevier (1693-1765). Existiu uma edição feita em Lisboa pela Oficina Patriarcal, em 1786.

Máximas Espirituais
Considerado um conselheiro fiel com máximas espirituais, talvez seja o exemplar de autoria de Manuel Guilherme, publicado pela Oficina de António Pedroso Gabram, em Lisboa.

Eva, e Ave, ou Maria triunfante, Teatro da erudição, e Filosofia Cristão em que se representam os dois estados do Mundo: caído em Eva, e levantado em Ave.
No documento aparece apenas Eva e Ave. Escrito por Antonio de Sousa de Macedo (1606-1682).

(1)- O avô paterno, Alferes Manuel Álvares Franco foi o fabriqueiro da matriz de Guaratinguetá e o pai um apreciável compositor sacro. E o pai, segundo consta foi professor do Regente Padre Diogo Antônio Feijó, e depois de viúvo, ordenado padre. Foram seus irmãos os padres Inácio Correia Leite e Francisco Xavier Leite, moradores na mesma vila.

Referências

C.J. Miscellanea curioza e proveitoza. Lisboa, Typographia Rollandiana, 1779. (em googlebooks).
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Os Galvão de França no Povoamento de Santo Antônio de Guaratinguetá. São Paulo: Edusp, 1993.
SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez: Estudos de Inocencio Francisco da Silva aplicáveis ao Brasil e Portugal. Lisboa-Portugal: Imprensa Nacional, 1858.
SOUZA, Laura de Melo e. Cláudio Manuel da Costa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

domingo, 10 de abril de 2011

Fontes Primárias e Pesquisa Histórica

O Departamento de História do Centro Universitário Salesiano (Unisal) de Lorena está realizando um estudo dirigido inédito para os alunos do curso de história, sob a denominação “Fontes Primárias e Pesquisa Histórica”, tendo como responsável o pesquisador Joaquim Roberto Fagundes, especializado em documentos do Vale do Paraíba e no uso em pesquisa histórica. E a primeira aula aconteceu na última sexta-feira (dia 8 de abril) e se estenderá até o mês de maio. O estudo tem como objetivo principal colocar os alunos em contato com algumas fontes primárias existentes em arquivos brasileiros, utilizando para tanto, os documentos disponíveis na Biblioteca Pública de Lorena e na Cúria Diocesana do mesmo município. Com a orientação do pesquisador, os alunos dos três anos do curso de história foram divididos em grupos distintos obedecendo ao critério de modalidades documentais específicas que serão pesquisadas e analisadas, com os resultados apresentados ao final do estudo. Cada grupo trabalhará, na primeira etapa, com documentos em suporte de papel, divididos em séries pertinentes: Arquivos Judiciais: inventários, processos cíveis, processos crimes e livros de registros de escrituras; Arquivos Religiosos: Livros de batizados, casamentos e óbitos; Hemeroteca: jornais antigos da cidade; Arquivo de Imagens: fotografias antigas e modernas. Ao mesmo tempo, serão repassadas noções de paleografia (técnica de leitura de documentos antigos) e discussões e diálogos com a produção acadêmica dos grandes centros universitários (leitura de textos selecionados) que se utilizaram das mesmas fontes para a produção de novos conhecimentos históricos do Vale do Paraíba. Como foi destacada por Joaquim Roberto Fagundes na aula inaugural, a realização do estudo dirigido vem de encontro com as diversas necessidades prementes na formação do professor e historiador e que atualmente constitui-se num vácuo ressentido nas faculdades do Vale do Paraíba. Um dos sentidos é tornar as universidades da região centros de pesquisa histórica por excelência, principalmente por ser um espaço histórico antigo e por onde se formou e desenvolveu historicamente o Estado de São Paulo e o Brasil. E também pela oportunidade de proporcionar aos alunos dos cursos de história um contato amiúde e contínuo com os arquivos e fontes documentais produzidos desde o século XVII em várias cidades da região, ainda no curso de graduação. Portanto, um projeto inédito e de caráter contínuo que criará oportunidades diversificadas para os alunos de história, no sentido de buscar novos mercados de trabalho que estão surgindo com a valorização do patrimônio histórico brasileiro, em estreito relacionamento com os ideais e práticas de inserção social de inúmeras comunidades em programas de conscientização, conservação e disseminação da cultura regional como fonte de economia criativa. Ele encontra ressonância em nossos ideais de trabalho com a história, por mais de 25 anos, sempre procurando disseminar a ideia de que não é suficiente formar apenas o professor, mas, sobretudo o pesquisador, pois as duas categorias devem caminhar juntas, para evitar que seja reiterada nos grandes centros acadêmicos uma imagem negativa de qualidade e de falta de produção intelectual, que é essencial para o crescimento de um país. Além do que é preciso não permitir e, mesmo acabar, com o ciclo vicioso persistente nas salas de aula, da mera repetição de parcos e errôneos conhecimentos históricos produzidos ainda por conta de uma história positivista e enaltecedora de heróis, fatos isolados e elites do café. A essência ainda está por pesquisar, analisar e estudar e a Unisal poderá despontar como um centro de referência para outras instituições. Afinal, é preciso criatividade e esforço para valorizar os profissionais da região. É preciso reconhecer o valor da pesquisa, da mesma maneira como outras ciências tem realizado, principalmente em outros países. Não devemos esquecer que 2011 é o Ano Internacional da Química, justamente em homenagem a Marie Curie, pesquisadora nata que contribui para o aprimoramento dos estudos sobre a radioatividade. E em outros casos, até mesmo na área das novelas televisivas, onde a pesquisa é fundamental para recompor modos e cenários de época. Até para Lauro César Muniz, autor de folhetins, dizer que as novelas brasileiras estão descaracterizadas pelo excesso de produção em série e sem nenhuma qualidade (Folha de S. Paulo, Caderno Ilustrada, 10/04/2011), o que comparativamente acontece com a formação do historiador massificado em sala de aula. Daremos mais notícias sobre o assunto e dos resultados do trabalho.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Cláudio Manuel da Costa

O mineiro Cláudio Manuel da Costa, consagrado pelos versos de Vila Rica, poema dedicado à fundação da capital “das Minas Gerais”, é revisitado de maneira inovadora nesse perfil biográfico escrito por Laura de Mello e Souza, que lança uma nova perspectiva sobre a vida, a obra e o destino do poeta brasileiro.O leitor é transportado à Minas Gerais do século XVIII, onde Cláudio Manuel da Costa exerceu a carreira de advogado paralelamente à de poeta, engajando-se também no movimento da Inconfidência Mineira. Um dos temas mais polêmicos de sua biografia, sua morte, cujas circunstâncias nunca foram totalmente esclarecidas, que continua a motivar muita especulação.Seu corpo foi encontrado em um cubículo na propriedade de um rico contratador, hoje conhecida como Casa dos Contos. A exaustiva pesquisa documental realizada em acervos brasileiros e portugueses permitiu à autora preencher lacunas da vida do poeta, tomar partido em várias disputas historiográficas, ao mesmo tempo que revelou um homem dividido profundamente entre o reino de Portugal e sua colônia na América; entre a ilustração e a escravidão; entre a liberdade e os valores do Antigo Regime.Gradativamente alçado a postos importantes da administração da capitania, Cláudio Manuel da Costa mantinha desde jovem um grande interesse pela poesia. O poeta integrava várias academias de letrados, principal instância de circulação da cultura erudita na América portuguesa da época. Escrito nos intervalos de suas obrigações públicas, Cláudio Manuel imprimiu seu único volume de sonetos, éclogas e liras em 1768, ampliando a reputação de literato no Brasil e na Europa. Como demonstra Laura de Mello e Souza, sua poesia, junto com a de Tomás Antônio Gonzaga, é uma das mais relevantes da literatura setecentista no Brasil, pois, ao mesmo tempo que se revela marcadamente dominada pela reverência aos modelos clássicos, incorpora aspectos importantes da paisagem e dos costumes brasileiros
Fonte: publicado em http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12660

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Memórias: Rodrigues Alves, Olavo Bilac e José Pires do Rio

Retomando a importância recíproca entre a literatura e a história cabe destacar os cuidados que se deve tomar quando a primeira é utilizada como fonte de pesquisa e informação. É necessário disponibilizar instrumentos alternativos para checar, comparar e complementar os dados levantados, com o objetivo de não incorrer em erros de interpretação. Fundamental será possuir uma metodologia adequada e uma fundamentação teórica suficiente para analisar as variáveis do objeto. A assertiva possibilita a identificação ou a constatação subjetiva da realidade nos elementos ficcionais da literatura, muitas das vezes, implícita na estrutura narrativa, resultante da imaginativa do autor e de sua experiência em sociedade, num lugar fixo no tempo. Cabe ressaltar, portanto, que no universo literário a memória pode significar interessante e importante fonte primária na pesquisa histórica; principalmente para o encontro de indícios e rastros da realidade. Isso porque, a memória pode ser considerada como registro do olhar e da percepção dos fatos vividos ou assistidos, direta ou indiretamente, mesmo que revestida de opiniões sectárias ou unilaterais impregnadas de visões ideológicas. Cabe ao historiador ou pesquisador analisar o grupo ou segmento social representativo do autor e as influências extrínsecas na formulação da escrita. Raciocínio, perspicácia e conhecimento multidisciplinar para extrair questões emblemáticas dos signos são algumas premissas para reconstituição históricas a partir da memória. E como nos dias atuais a tendência é o resgate e a valorização das memórias literárias, com a publicação de algumas obras do inicio do século XX, é oportuno usar como exemplo o escritor Humberto de Campos, maraenhense nascido em Muriti, radicado no Rio de Janeiro, e que além de escrever crônicas e memórias, foi Deputado Federal, diretor do Museu Casa de Rui Barbosa e contemporâneo do poeta Olavo Bilac, do engenheiro aparecidense José Pires do Rio e do Conselheiro Presidente Rodrigues Alves. Na obra Perfis (I Série) o autor destaca uma pequena biografia de José Pires do Rio (p. 91-98), especialmente nos primeiros parágrafos, onde, de passagem, mostra difusamente como se davam os relacionamentos sociais no final do século XIX e inicio do XX. Residindo, aí, traços da estreita relação da história e da literatura, onde se averigua a ligação entre o engenheiro e o Conselheiro Rodrigues Alves. Humberto de Campos começa o texto descrevendo a cidade natal do Conselheiro e os primórdios do exercício político do estadista. Diz o literato: “Guaratinguetá começava a ensaiar o seu espantoso surto econômico, multiplicando a população e a riqueza, quando o advogado Francisco de Paula Rodrigues Alves, moço ali nascido e criado, e que principiava sua carreira política no partido Liberal, foi procurado, em princípio de 1881, por um fazendeiro das vizinhanças. Era um português identificado com a terra, casado com senhora brasileira, dono de vinte mil pés de café, que lhe ia comunicar com singeleza: - Eu fiz a promessa, no ano passado [1880], de batizar um filho, agora, antes da safra, e que o padrinho seria a pessoa mais importante cá da cidade. A criança nasceu agora em novembro, é macho; e como a pessoa mais catalogada cá de Guaratinguetá é o senhor doutor, eu vim saber se aceita o menino para afilhado” (p. 91). Destaca, ainda, que Rodrigues Alves não tinha o mesmo prestígio que outros políticos, como Campos Sales, Glicério, Prudente e Bernardino de Campos, paulistas republicanos de primeira hora, e que mais tarde foram amigos e correligionários. Mediante o pedido, segundo Humberto de Campos, o Conselheiro Rodrigues Alves descobriu o que considerou ser uma excelente estratégia eleitoral o fato de ser padrinho de um grande número de recém-nascidos; o que, no futuro, significaria potencialmente eleitores cativos. E, realmente, no período a rede de apadrinhamento era fundamental para a criação de redutos eleitorais; herança colonial muito reutilizada pela República. Uma atitude inusitada que as fontes escritas não registram, assim como tantas outras maneiras de viver. Outra percepção, fato comum no período, principalmente no decorrer do século XIX, é a simbologia religiosa humanizada e transformada em ato social de grande aceitabilidade, o de se ter uma madrinha escolhida entre os santos. Humberto de Campos registra o hábito pelo batizado de José Pires do Rio. Segundo o autor, o Conselheiro foi padrinho do menino José, juntamente com Nossa Senhora Aparecida, escolhida como madrinha. O menino tornou-se engenheiro, prefeito de S. Paulo e ministro de obras e viação no governo de Epitácio Pessoa, filho do Coronel da Guarda Nacional Rodrigo Pires do Rio, proprietário de terras no atual município de Aparecida (daí a madrinha ser Nossa Senhora Aparecida). E amigo intimo do Conselheiro e de Oscar Rodrigues Alves, filho do estadista (chefe de gabinete de seu pai durante a presidência da república, secretário do interior, no governo paulista de Altino Arantes, e Deputado Estadual). A questão dos laços de amizade aparece no escritos como um facilitador na ascensão econômica de José Pires do Rio, principalmente na nomeação para a Inspetoria das Obras contra as Secas no nordeste do país. E o outro aspecto social interessante descrito na obra é a dificuldade em estabelecer o apelido familiar: se patrilinear ou matrilinear, ou como forma de homenagem associada ao apelido de outro individuo sem laços consangüíneos. No caso do engenheiro prevaleceu o apelido de origem paterna, mas existiram outras variáveis. Foi comum na pia batismal e no registro do batismo aparecer somente o primeiro nome, e posteriormente, vincular um sobrenome. Não existia regra jurídica normatizando o uso dos apelidos, o que apenas aconteceria na República. Eram atos intrínsecos ao portador ou aos pais da criança, ao sabor das devoções religiosas e das redes de solidariedade social, política, como por exemplo, a adoção do sobrenome do padrinho ou madrinha. No âmbito religioso, especialmente nas mulheres, foi generalizado o uso de apelidos como Conceição, de Jesus, o que significava abandono total do sobrenome familiar pela extrema influência religiosa na vida das pessoas nos séculos passados. Em outra obra, intitulada “Diário Secreto”, Humberto de Campos descreve outra situação envolvendo o Conselheiro e o poeta Olavo Bilac, segundo informa o escritor Fernando Jorge, um dos biógrafos do poeta, no livro “Vida e Poesia de Olavo Bilac” (p. 253-254). Na obra relata, em segunda mão, a estima que o poeta dispensou ao Conselheiro por ocasião do episódio do ataque militar ao Palácio do Catete durante a presidência de Rodrigues Alves. Segundo a tradição oral resgatada por Humberto de Campos, consta que Bilac, ao passar pela sede do governo na madrugada dos acontecimentos, resolveu entrar e demonstrar solidariedade ao amigo, permanecendo até o dia seguinte. Além disso, ainda corria a versão de um romance entre Bilac e uma das filhas do presidente, que Campos Sales fazia o maior o gosto. Notoriamente eram pessoas que se relacionavam, principalmente numa cidade prestes a ser cosmopolita nos seus entreveros sociais e culturais. Ademais, o escritor e político Afonso Arinos de Melo Franco escreveu em sua obra que, entre as poucas obras apreciadas pelo Conselheiro Rodrigues Alves, com exceção dos livros de cunho político, estavam obras parnasianas, principalmente da safra de Olavo Bilac (1973: 786).


Referências


CAMPOS, Humberto de. Perfis (Crônicas) – I Série. Rio de Janeiro: W.M. Jackson INC. Editores, 1947. Obra Póstuma.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: Apogeu e Declínio do Presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973 (Coleção Documentos Brasileiros, 155-A).

JORGE, Fernando. Vida e Poesia de Olavo Bilac. 5. ed. revista e atualizada. Osasco-SP: Novo Século, 2007.


Imagem: jornalolince.com.br

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O Hábito de Colecionar Selos – Um Resgate Histórico Necessário

No momento estou feliz com o eterno retorno aos escritos de Brito Broca; não somente por sua linguagem simples e clara, mas pela erudição que irradia ao leitor como se estivesse redescobrindo o mundo. No intervalo que faço, deixando à margem outras leituras, o legado cinqüentenário de Brito Broca torna-se por um tempo o meu livro de cabeceira. Estou relendo “Papéis de Alceste” e entre tantas surpresas a cada regresso ao mundo do autor e as afinidades as quais também me identifico deparei-me com o texto “Coleções de Selos” (1991:101-102). O que inspirou a tecer alguns comentários a respeito por dois bons motivos. O primeiro, porque o blog, desde o inicio, divulga algumas imagens de selos como forma de difundir a existência desses como fonte documental para a história e, ao mesmo tempo, para despertar curiosidade por sua qualidade enquanto expressão de arte (são lindas as estampas) originária de diversos artistas brasileiros. E o segundo, porque o raciocínio desenvolvido pelo autor durante o texto continua atual ao comentar o abandono do habito de colecionar selos como fonte inspiradora para aprofundar conhecimentos, seja ele subjetivo ou não. Por aquele tempo, e isso há mais de cinquenta anos, lamentava o escritor que já caía em esquecimento o ato de admirar e colecionar selos e outras tantas modalidades de produtos comerciais que, a nosso ver, unia, outrora, amplamente o sentido do consumo com a ideia de cultura, educação e paixão mediante a produção capitalista de grande alcance e responsabilidade social, com resultados que memorialisticamente o autor exemplifica, como por exemplo, a quantidade de vezes que recorreu aos compêndios de geografia e história para melhor entender a imagem que viu estampada nos selos. E tal processo de abandono continua inalterado no presente e quem sabe em perspectiva mais acentuada, a ponto de ser considerado mais ainda, um produto de elites, inacessível, é claro, por seu preço abusivo. O que faz pensar na necessidade de torná-lo popular, com preço reduzido e direcionado para o público escolar, ou seja, desenvolver projetos de grande alcance onde o selo pudesse ser regularmente utilizado e, ao mesmo tempo, como de fato um recurso didático nas escolas. Lembro perfeitamente que passei, assim como autor, pela fase áurea do colecionismo, e naquela época aprendi a desenvolver o senso estético que o mesmo alude em suas linhas e ter descoberto a minha paixão e vocação profissional através das inúmeras temáticas de cada selo. Hoje, com as novas tecnologias e o acirramento dos temas e lançamentos sigilográficos, deve ser desenvolvido mecanismos para uma cultura criativa que possa estimular a prática do aprendizado pela filatelia. É uma questão de começar uma ação educativa duradora para mais de uma geração, com inclusão social ampla a partir da família e da casa onde se vive. Por outro lado, como fonte histórica, no rastro de leituras analíticas visuais como a fotografia antiga, o selo pode nos levar a pensar o tempo em que foram lançados e o por que; embora saibamos que no Brasil uma das premissas ainda seja o caráter comemorativo do tema e a sua cronologia. Um exemplo neste sentido, tanto para escolas como para museus, é a clássica exposição de selos, mas com a diferença de proporcionar, por etapas, uma leitura atenta e mais participativa através da observação direta e releitura dos dados por parte dos alunos ou visitantes em geral. Na primeira etapa pede-se ao observador que escolha um selo específico e dele faça uma leitura própria, o que permitirá observações diversificadas que servirá para a segunda etapa do processo que será a releitura do tema, em palavras ou desenhos, onde descreverá, também, como pensou sua outra visão e ideia acerca do assunto, travando assim, um diálogo entre o selo e o observador. Em outra variante pedagógica, pré-elaborada conceitualmente por diversos profissionais, coloca-se em prática a estruturação de equipes, que desperta a consciência de participação coletiva e colaborativa. Todos, em comum acordo, escolhem e analisam um determinado selo, sendo que alguns ficam responsáveis pela redação das impressões do grupo, outros pelo desenho e outros pela leitura dos resultados, reconhecendo, para tanto, a aptidão de cada um. Nesse caso, haveria a disponibilidade de informações adicionais como consulta ao professor e aos livros de referência, se houver uma biblioteca disponível ou livros pré-selecionados. É claro que para cada público deve ser desenvolvido um método e ações diferentes. Aí valerá o esforço criativo do professor e dos profissionais envolvidos. Vale dizer que se pode processar uma pesquisa anterior dos temas filatélicos, desde que seja criado um aparato técnico de apoio discutido por profissionais, utilizando-se das bibliotecas (o que estimulará o hábito de leitura) da escola e de outras instituições. E, a partir daí criar projetos incentivados de maior envergadura, com a participação de alunos e de membros da comunidade, onde a escola ficaria responsável pela transformação dos resultados em instrumentos reais, como os selos personalizados oferecidos pelos Correios. Valoriza o selo, valoriza os temas brasileiros e reitera ações sociais combinadas e diversificadas. E muito mais.


Referências

BROCA, José Brito (coordenação de Alexandre Eulálio). Papéis de Alceste. Campinas:Editora da Unicamp, 1991. (Coleção Repertórios).