quinta-feira, 7 de abril de 2011

Memórias: Rodrigues Alves, Olavo Bilac e José Pires do Rio

Retomando a importância recíproca entre a literatura e a história cabe destacar os cuidados que se deve tomar quando a primeira é utilizada como fonte de pesquisa e informação. É necessário disponibilizar instrumentos alternativos para checar, comparar e complementar os dados levantados, com o objetivo de não incorrer em erros de interpretação. Fundamental será possuir uma metodologia adequada e uma fundamentação teórica suficiente para analisar as variáveis do objeto. A assertiva possibilita a identificação ou a constatação subjetiva da realidade nos elementos ficcionais da literatura, muitas das vezes, implícita na estrutura narrativa, resultante da imaginativa do autor e de sua experiência em sociedade, num lugar fixo no tempo. Cabe ressaltar, portanto, que no universo literário a memória pode significar interessante e importante fonte primária na pesquisa histórica; principalmente para o encontro de indícios e rastros da realidade. Isso porque, a memória pode ser considerada como registro do olhar e da percepção dos fatos vividos ou assistidos, direta ou indiretamente, mesmo que revestida de opiniões sectárias ou unilaterais impregnadas de visões ideológicas. Cabe ao historiador ou pesquisador analisar o grupo ou segmento social representativo do autor e as influências extrínsecas na formulação da escrita. Raciocínio, perspicácia e conhecimento multidisciplinar para extrair questões emblemáticas dos signos são algumas premissas para reconstituição históricas a partir da memória. E como nos dias atuais a tendência é o resgate e a valorização das memórias literárias, com a publicação de algumas obras do inicio do século XX, é oportuno usar como exemplo o escritor Humberto de Campos, maraenhense nascido em Muriti, radicado no Rio de Janeiro, e que além de escrever crônicas e memórias, foi Deputado Federal, diretor do Museu Casa de Rui Barbosa e contemporâneo do poeta Olavo Bilac, do engenheiro aparecidense José Pires do Rio e do Conselheiro Presidente Rodrigues Alves. Na obra Perfis (I Série) o autor destaca uma pequena biografia de José Pires do Rio (p. 91-98), especialmente nos primeiros parágrafos, onde, de passagem, mostra difusamente como se davam os relacionamentos sociais no final do século XIX e inicio do XX. Residindo, aí, traços da estreita relação da história e da literatura, onde se averigua a ligação entre o engenheiro e o Conselheiro Rodrigues Alves. Humberto de Campos começa o texto descrevendo a cidade natal do Conselheiro e os primórdios do exercício político do estadista. Diz o literato: “Guaratinguetá começava a ensaiar o seu espantoso surto econômico, multiplicando a população e a riqueza, quando o advogado Francisco de Paula Rodrigues Alves, moço ali nascido e criado, e que principiava sua carreira política no partido Liberal, foi procurado, em princípio de 1881, por um fazendeiro das vizinhanças. Era um português identificado com a terra, casado com senhora brasileira, dono de vinte mil pés de café, que lhe ia comunicar com singeleza: - Eu fiz a promessa, no ano passado [1880], de batizar um filho, agora, antes da safra, e que o padrinho seria a pessoa mais importante cá da cidade. A criança nasceu agora em novembro, é macho; e como a pessoa mais catalogada cá de Guaratinguetá é o senhor doutor, eu vim saber se aceita o menino para afilhado” (p. 91). Destaca, ainda, que Rodrigues Alves não tinha o mesmo prestígio que outros políticos, como Campos Sales, Glicério, Prudente e Bernardino de Campos, paulistas republicanos de primeira hora, e que mais tarde foram amigos e correligionários. Mediante o pedido, segundo Humberto de Campos, o Conselheiro Rodrigues Alves descobriu o que considerou ser uma excelente estratégia eleitoral o fato de ser padrinho de um grande número de recém-nascidos; o que, no futuro, significaria potencialmente eleitores cativos. E, realmente, no período a rede de apadrinhamento era fundamental para a criação de redutos eleitorais; herança colonial muito reutilizada pela República. Uma atitude inusitada que as fontes escritas não registram, assim como tantas outras maneiras de viver. Outra percepção, fato comum no período, principalmente no decorrer do século XIX, é a simbologia religiosa humanizada e transformada em ato social de grande aceitabilidade, o de se ter uma madrinha escolhida entre os santos. Humberto de Campos registra o hábito pelo batizado de José Pires do Rio. Segundo o autor, o Conselheiro foi padrinho do menino José, juntamente com Nossa Senhora Aparecida, escolhida como madrinha. O menino tornou-se engenheiro, prefeito de S. Paulo e ministro de obras e viação no governo de Epitácio Pessoa, filho do Coronel da Guarda Nacional Rodrigo Pires do Rio, proprietário de terras no atual município de Aparecida (daí a madrinha ser Nossa Senhora Aparecida). E amigo intimo do Conselheiro e de Oscar Rodrigues Alves, filho do estadista (chefe de gabinete de seu pai durante a presidência da república, secretário do interior, no governo paulista de Altino Arantes, e Deputado Estadual). A questão dos laços de amizade aparece no escritos como um facilitador na ascensão econômica de José Pires do Rio, principalmente na nomeação para a Inspetoria das Obras contra as Secas no nordeste do país. E o outro aspecto social interessante descrito na obra é a dificuldade em estabelecer o apelido familiar: se patrilinear ou matrilinear, ou como forma de homenagem associada ao apelido de outro individuo sem laços consangüíneos. No caso do engenheiro prevaleceu o apelido de origem paterna, mas existiram outras variáveis. Foi comum na pia batismal e no registro do batismo aparecer somente o primeiro nome, e posteriormente, vincular um sobrenome. Não existia regra jurídica normatizando o uso dos apelidos, o que apenas aconteceria na República. Eram atos intrínsecos ao portador ou aos pais da criança, ao sabor das devoções religiosas e das redes de solidariedade social, política, como por exemplo, a adoção do sobrenome do padrinho ou madrinha. No âmbito religioso, especialmente nas mulheres, foi generalizado o uso de apelidos como Conceição, de Jesus, o que significava abandono total do sobrenome familiar pela extrema influência religiosa na vida das pessoas nos séculos passados. Em outra obra, intitulada “Diário Secreto”, Humberto de Campos descreve outra situação envolvendo o Conselheiro e o poeta Olavo Bilac, segundo informa o escritor Fernando Jorge, um dos biógrafos do poeta, no livro “Vida e Poesia de Olavo Bilac” (p. 253-254). Na obra relata, em segunda mão, a estima que o poeta dispensou ao Conselheiro por ocasião do episódio do ataque militar ao Palácio do Catete durante a presidência de Rodrigues Alves. Segundo a tradição oral resgatada por Humberto de Campos, consta que Bilac, ao passar pela sede do governo na madrugada dos acontecimentos, resolveu entrar e demonstrar solidariedade ao amigo, permanecendo até o dia seguinte. Além disso, ainda corria a versão de um romance entre Bilac e uma das filhas do presidente, que Campos Sales fazia o maior o gosto. Notoriamente eram pessoas que se relacionavam, principalmente numa cidade prestes a ser cosmopolita nos seus entreveros sociais e culturais. Ademais, o escritor e político Afonso Arinos de Melo Franco escreveu em sua obra que, entre as poucas obras apreciadas pelo Conselheiro Rodrigues Alves, com exceção dos livros de cunho político, estavam obras parnasianas, principalmente da safra de Olavo Bilac (1973: 786).


Referências


CAMPOS, Humberto de. Perfis (Crônicas) – I Série. Rio de Janeiro: W.M. Jackson INC. Editores, 1947. Obra Póstuma.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: Apogeu e Declínio do Presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973 (Coleção Documentos Brasileiros, 155-A).

JORGE, Fernando. Vida e Poesia de Olavo Bilac. 5. ed. revista e atualizada. Osasco-SP: Novo Século, 2007.


Imagem: jornalolince.com.br

Um comentário:

  1. Optimo blog Sr. Joaquim!

    Uma mais valia para o povo de Portugal e Brasil!

    Flávio Teixeira

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