quinta-feira, 28 de abril de 2011

Livros na Biblioteca do Padre

A leitura era atividade inacessível nos tempos do Brasil Colônia, principalmente pelo escasso acesso para a maior parte da população e da ausência de tipografias e autores. No período, o estudo estava estritamente vinculado ao campo da religião, àqueles que ingressavam nos seminário. A maioria aprendia o essencial, as chamadas primeiras letras; o suficiente para assinar o nome.
Nesse quadro, a exceção eram os sacerdotes, seculares ou não, formados em alguns poucos seminários existentes no Brasil.
As famílias com cabedais suficientes mandavam o filho para a formação religiosa, sinônimo de prestígio social e econômico.
No seminário, o candidato a sacerdote estudava as matérias clássicas do período, de caráter humanista, como a teologia, a filosofia, o latim, etc, tomando contato com obras essencialmente portuguesas e autores franceses.
Após a formação e aprovação de “sangue puro”, o sacerdote vinha geralmente para a paróquia de nascimento, exercendo funções pastorais e ensino de primeiras letras e catequese, pelas quais acabava por formar pequenas bibliotecas pessoais, cujos títulos estavam, na maioria, ligados à catequização e à orientação espiritual. Portanto, instrumentos necessários para o bom desempenho de suas funções perante a uma população iletrada, em consonância com as regras impostas pelo Concílio Tridentino e pelo pensamento de época.
Em Guaratinguetá, entre o final do século XVIII e a primeira metade do século seguinte, encontravam-se diversos clérigos estabelecidos na paróquia, exercendo atividades na matriz e na igreja de Nossa Senhora Aparecida, no bairro da Capela (atual município de Aparecida). Alguns, além do estrito serviço pastoral exerciam o ensino de meninos, dando-lhes alfabetização e, sobretudo, uma iniciação religiosa através do catecismo.
Entre eles, o Padre Manuel Gonçalves da Silva Franco, natural de Guaratinguetá, filho do Licenciado Manuel Gonçalves Franco, nascido em Guaratinguetá por volta de 1742, e de Ana Rosa da Silva Ramos, da família Correia Leite (1); falecido em 1827, deixando bens a inventariar; entre eles, uma pequena biblioteca com 74 títulos, dos quais aparecem:

Nomenclatura Portuguesa e Latina das Coisas Mais Comuns e Visíveis
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1762, em Lisboa, nas Oficinas de Miguel Rodrigues. O autor nasceu na Alemanha em 1704 e foi presbítero secular e Capelão da Capela de São Bartolomeu, na Paróquia de São Julião, na cidade de Lisboa. Publicou mais duas obras sobre gramática latina e holandesa.

Breviários
Livro que reúne os ofícios que os sacerdotes católicos rezam diariamente.

Compendio da Teologia Moral Evangélica, para formar dignos ministros do sacramento da penitência e espirituais diretores.
Publicado em Lisboa, pela Regia Oficina Tipográfica. Datada entre 1797-1802.

Confissões de Santo Agostinho
O mais conhecido entre os livros religiosos, fundamental no período.

Responso da Semana Santa
Conjunto de palavras pronunciadas ou cantadas nos ofícios da Igreja católica, alternadamente por uma ou mais vozes, de uma parte, e pelo coro, como representante da assistência, de outra parte; oração que se dirige a santo Antônio, para recuperar objetos desaparecidos.

Nomenclatura portuguesa, e latina das coisas mais comuns, e visíveis: com hum pequeno vocabulário de verbos portugueses, e latinos e um Tratado das partículas da língua portuguesa com as suas versões latinas
Obra do Padre Carlos Folquman, publicada em 1793 em Lisboa, nas Oficinas de António Rodrigues Galhardo, Impressor da Sereníssima Casa do Infantado, sob licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros

Recreação filosófica ou Diálogo sobre a Filosofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não freqüentarão as aulas
No inventário vem designado apenas como Recreação Filosófica. Obra de autoria do Padre Theodoro d'Almeida. Apareceu em Quinta Impressão muito mais correta que as precedentes, publicadas em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, entre na década de 1750 e nos anos de 1786-1800. Não sabemos se o Padre teria toda a coleção.
O Padre Teodoro de Almeida foi sócio fundador da Academia Real das Ciências de Lisboa, onde nasceu a 7 de Janeiro de 1722, e morreu a 18 de Abril de 1804. Viveu na França entre os anos de 1767 e 1778

Secretário Português ou método de escrever cartas
Da autoria do Padre Francisco Jozé Freire e publicado em Lisboa em diversas edições, sendo a de 1815 publicado pela Tipografia Rolandiana. Ver p. 404 v. 1.
Oratoriano (n. Lisboa 1719-m. Mafra, 1773), foi um dos principais animadores do movimento estético-literário da Arcádia (onde adotou o nome de Cândido Lusitano) e, como tal, figura proeminente no âmbito das ideias estéticas em Portugal, na sua vertente literária, ligada à poética e à retórica. Com efeito, pode justamente considerar-se a sua Arte Poética como o código estético dos «árcades». Defensor acérrimo da Antiguidade (Aristóteles, Cícero, Horácio e Quintiliano), elaborou uma vasta obra de divulgação do pensamento estético-literário dos clássicos. Aí poderemos encontrar a defesa de uma concepção da poesia como imitação da natureza, na esteira da Poética de Aristóteles, a teorização também aristotélica do verossímil, o problema das relações entre o útil e o deleitável, a arte, a natureza e o exercício e, ainda, sob marcante influência de Muratori e Luzán, a reflexão em torno das relações entre a fantasia e o entendimento, na elaboração da obra poética

Arte de gramática latina, para instrução da mocidade portuguesa
Aparece no inventário como Arte Latina de Antônio Pereira, de autoria de António Pereira Xavier reformada e acrescentada, em edição da Oficina de Simão Thaddeo Ferreira, de 1784, em Lisboa.
O autor era mestre em Artes e Professor de Gramática em Lisboa e segundo o Dicionário Bibliográfico Português, obra que foi esquecida, encontrando-se poucos exemplares em Portugal. Portanto, livro raro na biblioteca do padre.

Explicação da Sintaxe
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.


Figuras de Sintaxe Latinas explicadas e ilustradas segundo os princípios de Linacro, Sanches, Vossio e Perizonio
Nominado como figuras de sintaxe no inventário, sendo de autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo. Acreditamos ser o exemplar constante dos bens do padre a edição de 1813 pela Universidade de Coimbra.

A morte de Abel: poema épico em cinco cantos
Tem como autor Salomon Gessner (1730-1778) e tradução pelo Padre José Amaro da Silva. Uma das edições foi publicada pela oficina Rollandiana, em 1818, na cidade de Lisboa.

Exame de Sintaxe e reflexões sobre suas regras
De autoria do português Manuel Coelho de Sousa, sargento-mor dos Privilegiados da Corte e Cavaleiro da Ordem de Cristo; nascido em 1736. A primeira edição é de 1729, mas não há referência no inventário da data de publicação da obra, dividia em três partes referentes ao estudo do verbo intransitivo e transitivo.

O Santo Exercício da Presença de Deus
No inventário intitulado apenas Exercício Santo por Vauber, podendo ser a edição de 1784, publicado em Lisboa pela Oficina de Simão Thadeu Ferreira, dividido em três partes, do autor francês Vaubert.

Escola de política ou tratado pratico da civilidade portuguesa
Nominado no inventário como Escola Política, de autoria de Dom João de Nossa Senhora da Porta Siqueira (ou Sequeira) publicado em Lisboa pela Tipografia Lacerdina, em 1814. Várias vezes reimpressas, sendo a 4.ª edição em 1803.
Foi Cônego regrante da ordem de Santo Agostinho, falecido em 16 de Janeiro de 1797. Nos seus últimos anos de vida empregou-se no ensino, e em publicar algumas obras, na maior parte traduções. Escreveu: Breve instrução do amor de Deus traduzido do francês, Porto, 1787; Escola dos bons costumes, ou reflexões morais e históricas, etc. por Mr. Blanchard, traduzida em português, Porto, 1789; 4 tomos; Incêndios de amor, ou elevações e transportes da alma, na presença de Jesus Cristo e de suas imagens, etc., Porto, 1791; Voz de Je­sus Cristo pela boca dos párocos e dos pais de família, intimada aos seus fregueses e filhos nos domingos e festas do ano, Porto, 1791; 2 tornos; outra edição em Lisboa, 1815; Voz evangélica de um pároco aos seus fregueses, ou nova coleção de praticas para todos os domingos do ano, 3.ª edição, Lisboa, 1817, 2 tornos.

Tesouro carmelitano manifesto, e oferecido aos Irmãos, e Irmãos da Venerável Ordem Terceira da Rainha dos Anjos, Mãe de Deus, Senhora do Carmo
Designado no documento como Tesouro Carmelitano, que acreditamos de autoria do Frei Jose de Jesus Maria, publicado em Lisboa, pela Oficina de Miguel Manescal da Costa (1660-1727), em 1763.

Viridarium
Em dois volumes: poderia uma obra sobre plantio vegetal ou estudos elementares de Botânica; ou pode ser poesia sacra e profana.

Compêndio das épocas e sucessos mais ilustres da história geral
Designado com Compêndio das Épocas, de autoria de António Pereira de Figueiredo (1725-1797). Publicado em Lisboa pela Regia Oficina Tipográfica, em 1782.

Instrução de cerimônias em que se expõe o modo de celebrar o sacrifício da missa
Nominado no inventário como Instrução de Cerimônias. Teve edição publicada em Lisboa, pela Imprensa Régia, em 1826.

Tesouro de meninos: resumo de Historia Natural, para uso da mocidade de ambos os sexos e instrução das pessoas, que desejam ter noções da Historia dos três Reinos da Natureza
Também designado no inventário do Padre como Tesouro de Meninos, de autoria de Blanchard e com tradução de Matheus José da Costa, em seis volumes. Publicado pela Impressão Regia de Lisboa entre 1814-1824.

Sintaxe de Dante
Livro elementar de Latim para meninos dos oito aos quatorze anos, nominado no inventário apenas como Sintaxe de Dantas, como era mais conhecido. Da lavra do Padre Antônio Rodrigues Dantas. Teve sua primeira edição em 1779, em Lisboa.

Macarronea
Conhecidos com poemas macarrônicos, livros de poesias produzidos no final da primeira metade do século XVIII em Portugal, de escrita confusa, misturando língua portuguesa, latim e outras línguas. Bem populares entre os universitários de Coimbra desde 1746 por se caracterizar por sátiras sobre a vida universitária.

Coleção de Palavras Familiares, assim como portuguesas ou Latinas, para o uso das escolas da Congregação do Oratório
Obra que aparece designada no inventário na forma reduzida (Coleção de Palavras Similares). De autoria do Padre Antônio Pereira de Figueiredo, da Congregação do Oratório, na cidade de Lisboa. Foi considerado um dos maiores latinistas da Europa no seu tempo, tendo exercido cargos políticos em Portugal, onde nasceu em 1725. É possível que a edição constante na biblioteca particular do padre fosse a impressa em 1821 pela Imprensa Regional de Lisboa.

Preceitos de Retórica
Preceitos de retórica tirados de Aristóteles, Cícero e Quintiliano é da autoria de Jean Baptiste Louis Crevier (1693-1765). Existiu uma edição feita em Lisboa pela Oficina Patriarcal, em 1786.

Máximas Espirituais
Considerado um conselheiro fiel com máximas espirituais, talvez seja o exemplar de autoria de Manuel Guilherme, publicado pela Oficina de António Pedroso Gabram, em Lisboa.

Eva, e Ave, ou Maria triunfante, Teatro da erudição, e Filosofia Cristão em que se representam os dois estados do Mundo: caído em Eva, e levantado em Ave.
No documento aparece apenas Eva e Ave. Escrito por Antonio de Sousa de Macedo (1606-1682).

(1)- O avô paterno, Alferes Manuel Álvares Franco foi o fabriqueiro da matriz de Guaratinguetá e o pai um apreciável compositor sacro. E o pai, segundo consta foi professor do Regente Padre Diogo Antônio Feijó, e depois de viúvo, ordenado padre. Foram seus irmãos os padres Inácio Correia Leite e Francisco Xavier Leite, moradores na mesma vila.

Referências

C.J. Miscellanea curioza e proveitoza. Lisboa, Typographia Rollandiana, 1779. (em googlebooks).
MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Os Galvão de França no Povoamento de Santo Antônio de Guaratinguetá. São Paulo: Edusp, 1993.
SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez: Estudos de Inocencio Francisco da Silva aplicáveis ao Brasil e Portugal. Lisboa-Portugal: Imprensa Nacional, 1858.
SOUZA, Laura de Melo e. Cláudio Manuel da Costa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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